Em entrevista exclusiva ao site Aventuras na História, a autora Sonia Purnell discutiu a trajetória da mulher que entrou para a lista dos mais procurados da Gestapo
Victória Gearini Publicado em 31/01/2021, às 10h00 - Atualizado em 05/04/2023, às 17h00
Nos últimos anos, muito tem se falado da participação feminina em conflitos mundiais. Ao longo dos séculos, diversas mulheres lutaram e até mesmo deram suas vidas em nome de uma causa.
No entanto, muitas foram esquecidas ou apagadas da História, em decorrência do machismo iminente na sociedade. Este foi o caso de Virginia Hall, uma das maiores espiãs da Segunda Guerra Mundial.
Quem registra a sua história é a escritora Sonia Purnell, que por meio de uma pesquisa minuciosa e profunda, conseguiu reconstituir a trajetória da espiã, em sua obra Uma mulher sem importância, da Editora Planeta.
A autora sempre se interessou por histórias pouco faladas e até mesmo esquecidas ao longo do tempo. Durante uma leitura sobre a espionagem na Segunda Guerra Mundial, a escritora se deparou com uma breve menção a Hall.
A partir disso, decidiu pesquisar mais sobre esta personagem, no entanto, teve dificuldade em encontrar referências sobre ela.
“Comecei a pesquisar sobre sua vida e fiquei surpresa com o que uma jovem, praticamente sem treinamento, fez para ajudar a mudar o curso da luta contra os nazistas na França”, revela a especialista em entrevista ao site Aventuras na História.
Por mais de três anos, a escritora reuniu documentos e arquivos que mencionavam a mulher mais temida pela Gestapo. Por meio de um trabalho árduo e com ajuda de dois ex-oficiais de inteligência, a autora descobriu uma “história épica de coragem, resiliência, resistência e triunfo sobre a adversidade'', disse em suas palavras.
"Eu estou e sempre estarei maravilhada com Virginia Hall — uma figura que em sua vida foi frequentemente descartada como uma mulher sem importância, mas que finalmente está recebendo algum reconhecimento que merece”, afirmou Purnell, sem esconder sua admiração.
Para saber mais sobre a vida de Hall, conversamos com a autora. Confira abaixo!
Nascida em 1906, em Baltimore, no Estado de Maryland, EUA, Hall cresceu em meio a uma família rica. Seu sonho era se tornar diplomata, portanto, aprendeu a falar inglês, francês, italiano e alemão. Aos 20 anos de idade, a jovem se mudou para a Europa, onde trabalhou como auxiliar na embaixada dos Estados Unidos em Varsóvia, Polônia.
Embora seus esforços e competência, o sonho se tornou uma frustração, pois a diplomacia era vista como uma "carreira masculina". Para dificultar sua situação, em 1933, ela sofreu um grave acidente enquanto caçava na Turquia, o que lhe causou danos irreversíveis. Devido ao ocorrido, sua perna esquerda precisou ser amputada abaixo do joelho, a levando a usar uma prótese de madeira.
Após se recuperar, foi informada pelo o Departamento de Estado americano que não poderia assumir o posto de diplomata, devido a sua nova condição física. Embora o preconceito, ela continuou trabalhando em outras embaixadas e consulados na Europa.
Diferente de Clementine Churchill (que também foi alvo de uma obra da autora) a história de Hall foi praticamente apagada ao longo dos anos, como reforça Purnell. “Com Virginia, encontrei apenas uma pessoa viva que a conhecia bem — sua sobrinha Lorna — e muitas vezes ficava frustrada com os documentos perdidos ou destruídos, e até mesmo relatos escritos de forma contraditória”, explicou ela.
Diante do avanço do Terceiro Reich, a jovem viu uma oportunidade de fazer a diferença, portanto, se voluntariou para dirigir ambulâncias, com o intuito de ajudar os Aliados. Contudo, em 1940, a França foi tomada pelos nazistas e a moça se viu obrigada a mudar-se para Londres.
Na mesma época o governo britânico fundou a Executiva de Operações Especiais (Special Operations Executive, ou SOE, em inglês). Como tiveram dificuldades em recrutar agentes, a organização logo a aceitou na equipe.
A partir de um breve treinamento, Hall foi transferida para a França de Vichy, onde mudou de nome e foi introduzida como uma repórter do New York Post. “Os agentes secretos obviamente não escreviam o que faziam, e ela tinha dezenas de codinomes, disfarces e muitos dos documentos secretos sobre ela ainda estão classificados ou foram destruídos”, diz Purnell.
Logo a jovem se destacou, após coordenar uma missão contra a ocupação inimiga, sendo amplamente elogiada pelos colegas do serviço secreto. “Os jovens lutadores da resistência diriam uns aos outros anos depois que ‘valeu a pena estar vivo’ apenas por ter tido o privilégio de lutar ao lado dela durante a guerra”, afirmou a escritora.
Segundo a especialista, a espiã enfrentou inúmeros obstáculos e viu a morte de perto diversas vezes, mas em nenhuma situação deixou se abalar pelas circunstâncias. Desde a sua chegada sozinha em território inimigo até o fim do conflito, ela soube registrar seu legado na História.
A partir de uma conversa com Lorna, a autora descobriu que durante uma fuga por um desfiladeiro, enquanto era perseguida pela Gestapo, Hall quase morreu. Na ocasião, a prótese de madeira — que ela chamava de Cuthbert — quase se partiu. No entanto, em meio a uma forte nevasca, a espiã conseguiu avançar no gelo.
“A Gestapo rotulou Virginia — ou Limping Lady, como ela ficou conhecida — como a mais perigosa de todas as espiãs aliadas. Eles emitiram uma ordem em 1942: ‘devemos encontrá-la e destruí-la’. Eles perceberam que tinham uma super agente entre eles — uma capaz de criar grandes redes, de resgatar dezenas de outros agentes, coletar inteligência vital (incluindo informações "vitais" que ajudaram os Aliados a libertar Paris), organizar sabotagem e emboscadas”, afirmou Purnell.
Pioneira na espionagem, a "dama que manca" — como também ficou conhecida — conseguiu evitar e sobreviver aos esforços dos inimigos. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, o pesadelo da Gestapo saiu ileso, sem nunca ter sido capturado pelas forças nazistas.
Conforme indica as pesquisas de Purnell, após o fim do Holocausto, a sociedade se tornou muito mais conservadora e muitas mulheres foram aconselhadas a retornar para os seus lares, onde deveriam casar e ter filhos.
“Uma mulher, especialmente deficiente, que emergiu como um dos mais corajosos agentes especiais de todo o conflito, que fez muito mais do que tantos homens, simplesmente não se encaixava nessa narrativa”, explica a autora.
Com o fim da guerra, Hall passou a trabalhar para a CIA, que somente anos mais tarde admitiu tê-la tratado mal e a desprezado na história da instituição. Em 1966, se aposentou aos 60 anos de idade. Infelizmente, a combatente veio a falecer no dia 8 de julho de 1982, sem nunca visto o reconhecimento pelo seu trabalho em vida.
“Ela nunca quis glória, porém, apenas respeito. Como muitos que haviam feito tanto na guerra, ela não gostava de falar sobre isso, nem mesmo para sua família. Descobrir a verdadeira escala do que ela fez 75 anos depois foi um trabalho de amor da minha parte”, revelou Purnell.
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