No auge da Segunda Guerra Mundial, governo de Vargas perseguiu imigrantes e rivalidade fez o Palestra Itália mudar de nome
Fabio Previdelli Publicado em 13/04/2023, às 10h17 - Atualizado em 14/04/2023, às 10h30
Após vitória avassaladora contra o Água Santa por 4x0 no último domingo, 9, o Palmeiras se tornou campeão paulista pela 25ª vez — sendo o segundo título consecutivo e o terceiro nos últimos quatro anos.
A relação entre Palmeiras e Campeonato Paulista é marcada por momentos marcantes para o alviverde imponente. Em 1993, no dia 12 de junho, após 16 anos de fila, o clube superou seu maior rival, o Corinthians, e venceu o estadual daquele ano.
Outro episódio marcante aconteceu em 2009, quando o clube verde e branco de Parque Antártica enfrentou o Santos de Neymar. Embora o clube tenha sido eliminado, a partida ficou conhecida pela briga envolvendo o meia Diego Souza e o zagueiro Domingos.
Mas, sem dúvida alguma, nenhum título estadual é mais simbólico para o Palmeiras quanto aquele conquistado em 20 de setembro de 1942. A nona conquista estadual do clube é marcada não só por superar o rival São Paulo, mas por todo o contexto envolvendo o mundo da época.
Entre 1937 e 1945, o Brasil era governado pelo regime ditatorial de Getúlio Vargas. Paralelamente a isso, o mundo vivia o contexto da Segunda Guerra Mundial. Embora Vargas mantivesse uma neutralidade política, mantendo relações comerciais tanto com os Estados Unidos e a Alemanha nazista, o Brasil passou a apoiar os Aliados um ano após um navio brasileiro ser atacado por um submarino alemão.
Desta forma, em 11 de março de 1942, há 81 anos, Getúlio Vargas tomou mais uma medida contra o Eixo: o confisco de bens e direitos de estrangeiros alemães, italianos e japoneses — uma forma que o governo brasileiro encontrou para compensar os prejuízos resultantes de atos de agressão praticados pelos países em guerra contra o Brasil.
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Com isso, diversas instituições esportivas tiveram que mudar seus nomes. Um exemplo disso é Esporte Clube Germânia, atual Esporte Clube Pinheiros. Já o Palesta Itália de Minas Gerais virou o Esporte Clube Cruzeiro.
O mesmo aconteceu com o Palesta Itália, sediado em São Paulo — cidade que abrigava o maior número de imigrantes italianos na época. Assim, quando a lei foi assinada, o clube passou a ser chamado de Palestra de São Paulo. Além disso, a agremiação perdeu a cor vermelha de seu escudo e passou a usar apenas o verde e branco, aponta o site da Sociedade Esportiva Palmeiras.
Embora a etimologia da palavra “Palestra” fosse grega, significando “local para exercícios físicos”, o governo determinou que “Palestra” precisaria ser alterado por uma suposta alusão à Itália.
Segundo o portal Nosso Palestra, a pressão era feita por clubes rivais, principalmente pelo São Paulo — então aliado da elite paulistana, que perseguia injustamente os imigrantes italianos que haviam conseguido um certo status dentro da pátria.
Além disso, os italianos haviam grande colaboração para a popularização do futebol — um esporte até então da elite burguesa. Portanto, a entrada dos mais pobres na modalidade incomodava a alta classe.
Outro ponto crucial é que o Palestra Itália disputava rodada a rodada o título do Campeonato Paulista naquele ano com o time do Morumbi. A campanha de difamação contra os italianos era tamanha que jornais costumavam a estampar manchetes os classificando como “traidores da pátria” ou os chamando de “quinta coluna” — termo que se refere a grupos clandestinos que atuam em países em guerra, ajudando os inimigos com espionagem ou espalhando propaganda subversiva.
O site oficial do Palmeiras também reporta outro ponto de interesse para a perseguição: o estádio Parque Antárctica — tido como o mais moderno da época. Com a Lei de Vargas, os rivais passaram a lutar para ficarem com a posse do campo.
Para evitar isso, os dirigentes do Palestra de São Paulo decidiram se reunir, em 14 de setembro de 1942, para discutirem uma nova mudança de nome. O nome Società Sportiva foi mantido, mas para uma versão traduzida para o português. O 'P' no escudo também continuou. Dentre as opções sugeridas, prevaleceu a do Mário Minervino: Sociedade Esportiva Palmeiras.
Não nos querem Palestra, pois seremos Palmeiras e nascemos para ser campeões”, disse Minervino conforme consta na ata da reunião.
Um personagem importante em todo o processo foi o General do exército Capitão Adalberto Mendes. Designado pelo Exército para servir em São Paulo, Adalberto Mendes acabou se identificando com o clube e criou laços com os dirigentes da instituição.
Ele foi figura fundamental para amenizar a pressão e hostilidade que o Palmeiras sofria por conta das acusações de ser anti-patriota. O General foi nomeado 2º vice-presidente do clube por Ítalo Adami — presidente do Palmeiras na época.
Uma semana após a mudança, o Palmeiras tinha o primeiro grande desafio de sua história. Como Palestra Itália, o clube havia feito um campeonato paulista impecável: em 18 jogos foram 16 vitórias e dois empates. O que os fizeram líderes da competição.
Como já dito, porém, o São Paulo perseguia o clube e estava apenas dois pontos atrás na tabela de classificação. E justamente o próximo confronto colocaria frente a frente os dois times. Importante ressaltar que, naquela época, cada vitória valia apenas dois pontos.
Mesmo assim, com o triunfo do tricolor, os clubes empatariam em pontos. Na última rodada o Palmeiras enfrentaria o Corinthians, enquanto o São Paulo o modesto Hespanha de Santos.
No dia 20 de setembro, os palestrinos comandados por Armando Del Debbio enfrentaram os tricolores do uruguaio Conrado Ross em um Pacaembu lotado e marcado por um clima hostil contra o time dos “traidores da pátria”.
As vaias já eram esperadas para o lado palmeirense. Mas por sugestão do General Adalberto Mendes, os atletas do Palmeiras subiram a campo carregando uma bandeira do Brasil — apesar da exibição do símbolo nacional só ser permitida em eventos internacionais. O clima de vaias deu lugar aos aplausos.
“Estávamos às vésperas de um jogo decisivo contra o São Paulo Futebol Clube, a equipe do Dr. Paulo Machado de Carvalho. Boatos diziam que haveria um clima de muita hostilidade por parte da torcida para com nossos jogadores, que realmente estavam preocupados. Percebi isso e notei também que nosso treinador, Del Debbio, tinha em mãos uma bandeira brasileira”, relembra o próprio Adalberto Mendes ao conselheiro Luiz Carlos Granieri, em 1982, conforme registra o site oficial do Palmeiras.
Eu sabia que a exibição do pavilhão nacional só era permitida em eventos internacionais, mas chamei a responsabilidade para mim e orientei nossos atletas a entrarem, ao meu lado, carregando-o e o exibindo à toda a torcida que superlotava o estádio do Pacaembu. Após alguns segundos de surpresa por parte de todos, fomos muito aplaudidos e nenhum ato hostil nos foi desferido”, prosseguiu.
Com a confiança aflorada entre os atletas, o Palmeiras terminou o primeiro tempo vencendo por 2x1. Voltando do intervalo, o ímpeto verde e branco prevaleceu, e o clube alviverde ampliou o placar aos 14 minutos da segunda etapa.
Cinco minutos depois, o médio palmeirense Og Moreira invadiu a área e foi derrubado de forma violenta pelo zagueiro Virgílio. O árbitro assinalou penalidade máxima e expulsou o defensor são-paulino. Antes do Palestra cobrar o pênalti, os jogadores tricolores, por ordens do capitão Luizinho, abandonaram o gramado.
Passado 30 minutos do ocorrido, o árbitro Jaime Janeiro decretou a vitória da Sociedade Esportiva Palmeiras. Na súmula da partida, Jaime ainda declarou: "O São Paulo fugiu".
O nono título paulista do clube eternizou para sempre os dirigentes Adalberto Mendes, Ítalo Adami, Mário Minervino e Higinio Pellegrini; os jogadores Oberdan Cattani, Junqueira, Del Nero, Waldemar Fiume, Lima; além do treinador Del Debbio.
Em 20 de setembro de 2005, ou seja, 63 anos após o episódio, o Dia do Palmeiras na cidade de São Paulo foi oficializado através da Lei Nº 14.060. No ano seguinte, o então prefeito Gilberto Kassab assinou um decreto para renomear uma passarela nos arredores da sede social do clube para o nome de "Passarela Palmeiras — Arrancada Heroica 1942".
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