A coalização de De Gaulle foi o fim da opressão e o triunfo do diálogo
Ricardo Lobato Publicado em 14/08/2022, às 08h00 - Atualizado em 25/08/2023, às 12h56
Agosto é o mês de aniversário da reconquista de Paris pelos franceses. O dia 25/8 é a data em que o comandante militar alemão da cidade, general Dietrichvon Choltitz, baixou o estandarte negro de seu QG no famoso Hôtel Meurice – ainda hoje um dos hotéis mais luxuosos e badalados da cidade– e se rendeu ao comandante francês, general Philippe Leclerc.
É claro que a atitude em si já seria suficiente para comemorar, mas por que a libertação de Paris é tão importante – para os franceses e para a humanidade? É o que vamos ver nas próximas linhas.
Quatro anos antes da libertação da cidade, a França caía diante da Blitzkrieg nazista. Aquilo que falharam em fazer em quatro longos anos na Primeira Guerra, os alemães conseguiram em um mês, logo no início da Segunda. Vendo que não havia mais como resistir à fúria avassaladora dos Panzers, os ingleses se retiraram pelo Canal e os franceses escapitularam.
Em parte, a administração-geral que negociou com os alemães buscava evitar, justamen-te, o banho de sangue que foi a Grande Guerra. Mas veio algo pior. A França foi dividida em duas – uma zona de ocupação alemã e a outra com um governo fantoche, o regime de Vichy – e mais de 1 milhão de soldados foram levados como prisioneiros para a Alemanha. Além de servirem como uma garantida “obediência de Vichy”, muitos foram empregados como mão de obra escrava para alimentar a indústria bélica do Reich.
Mas e Paris? A cidade “voltou ao normal” depois da queda da França, agora “sob nova administração”. Porém, esse não era exatamente um normal, pois, enquanto os alemães se divertiam e se maravilhavam com os monumentos de uma cidade rica em história e cultura, a maior parte do povo viu seu padrão de vida cair e a pobreza começou a crescer entre os habitantes do outrora pujante centro urbano.
Havia também aqueles que se amigaram com o invasor, um tema ainda hoje polêmico na França e que rachou a sociedade e dividiu famílias. Os chamados “colaboradores” acreditavam que a Alemanha iria ganhar a guerra e que, então, era melhor “estar do lado vencedor”. Como se isso tudo não bastasse, à medida que os alemães perdiam espaço para soviéticos no Leste e para norte-americanos e britânicos no Oeste, os impostos que os países ocupados pagavam ao Reich aumentavam – isso incluía grãos e cereais produzidos na França.
Para uma cidade que não era autossuficiente, o resultado foi a pobreza se transformar em miséria e, junto com ela, veio a fome. Além disso,o desprezo pessoal de Hitler pelos franceses e pela cidade fez com que sua população fosse ainda mais penalizada. A Gestapo, polícia secreta nazi, oprimia cada vez mais os habitantes, fossem eles ou não membros da Resistência.
No verão de 1944, com o avanço pela França no esteio do Dia D, Paris era um objetivo claro. Mesmo com dissonâncias entre os generais Aliados quanto à tomada da cidade – visto que não era um alvo militar estratégico – a pressão dos comandantes das Forças da França Livre, especialmente o general De Gaulle, fez com que planos de invasão fossem esboçados.
Na cidade, o recém-apontado comandante de ocupação – von Choltitz – recebeu ordens expressas de Berlim para, ou defender, ou destruir Paris, caso não conseguisse mantê-la.Temendo que o pior acontecesse, e como forma de pressionar os Aliados a apressarem os planos, os próprios parisienses se insurgiram.
“Às armas cidadãos, formem seus batalhões” é um trecho da Marselhesa, o hino nacional francês que, apesar de ter sido escrito mais de cem anos antes do levante de Paris, retrata bem os acontecimentos de 16 de agosto de 1944: donas de casa pegando em fuzis, trabalhadores em greve geral, a FFI (Exército do interior) armando sabotagens contra a guarnição alemã, um confronto aberto no mei odas ruas da cidade.
Entre os dias 19 e 23 a situação se tornou mais crítica. Von Choltitz percebeu que não conseguiria manter o controle da cidade e foi persuadido por Raoul Nordling, o cônsul-geral da Suécia (um país neutro na guerra), a baixar as armas. Contrariando o desejo do Führer, o militar não destruiu Paris, mantendo suas maravilhas para a posteridade.
Se ainda sobrassem dúvidas a Von Choltitz sobre a rendição ser ou não o certo a fazer, a entrada das primeiras tropas da França Livre nos subúrbios de Paris, em 24 de agosto, e o número de mortos alemães que se acumulavam – diante de uma população enfurecida depois de quatro anos de opressão – foram argumentos mais que convincentes.
No dia 25 de agosto, ele capitulou e o general de Gaulle, o comandante em chefe da França Livre, entrou na cidade se apressando em montar um governo de coalização. A França estava novamente no jogo.
A libertação de Paris foi mais um duro golpe para Hitler, e a coalização de De Gaulle, com comunistas e liberais do mesmo lado, simbolizou o fim da opressão, mostrando o triunfo do diálogo. Ainda haveria muito a se fazer e um longo caminho até Berlim, mas sobravam razões para comemorar. Paris estava em total festa!
Ricardo Lobato é sociólogo e mestre em Economia, oficial da reserva do Exército Brasileiro e consultor-chefe de política e estratégia da Equilibrium – consultoria, assessoria e pesquisa.
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