Em 13 de setembro de 1987, o dono de um ferro-velho se deparava com um estranho pó brilhoso, que resultaria em uma catástrofe
Giovanna de Matteo Publicado em 13/09/2020, às 00h00
Era setembro de 1987 quando dois catadores de lixos decidiram vasculhar as antigas instalações do Instituto Goiano de Radioterapia, no centro de Goiânia, quando se depararam com um aparelho de radioterapia abandonado que, na cabeça deles, poderia ser desmontado, separando as partes de metal e chumbo para vender.
Atraídos pelas caraterísticas do item, removeram a máquina com a ajuda de um carrinho de mão e a levaram até a casa de um deles, onde permaneceram separando as partes de seu interesse por cinco dias.
Com o equipamento parcialmente desmontado, levaram as peças que não eram de seu interesse para Devair Alves Ferreira, dono do ferro-velho da cidade. Sem informações ou menor noção do que era aquela máquina e do que havia em seu interior, o chefe do estabelecimento desmontou o que lhe foi dado, expondo ao ambiente 19,26 g de cloreto de césio-137 (CsCl), um isótopo que se parece com um pó branco, mas que no escuro brilha numa coloração azul radiante.
Ao se deparar com o brilho azul emitido pela substância, ele resolveu exibir a seus familiares e amigos o incrível pó, do qual todos ficaram maravilhados. Sem conhecimento, acreditavam estar diante de algo sobrenatural.
A casa de Devair virou uma espécie de atração para a vizinhança, recebendo visitas constantes, pois todos queriam apreciar aquele "pó mágico", alguns tendo até levado amostras para casa. Esse foi o caso de Ivo, irmão de Devair, que impressionado com a substância a levou para sua filha Leide das Neves brincar.
A tragédia
Essa exibição ocorreu durante quatro dias, tempo o suficiente para que o material radioativo se espalhasse pela região e começasse a causar efeitos adversos na população. Um grande número de pessoas procurou hospitais e farmácias reclamando dos mesmos sintomas, mas foram erroneamente medicados, já que não se sabia do ocorrido.
A esposa do dono do ferro-velho já havia começado a achar a situação esquisita e decidiu levar parte da máquina de radioterapia até a sede da Vigilância Sanitária. Foi no dia 29 de setembro, que as autoridades tomaram conhecimento e identificaram o material.
Com a ajuda do físico Valter Mendes, solicitado pelos médicos sanitaristas para avaliar a contaminação radioativa, constatou-se que havia índices de radiação muito elevados no bairro em que ficavam o ferro-velho e a vizinhança de Devair. Diante de tais evidências ele acionou imediatamente a Comissão Nacional Nuclear (CNEN).
"Quando fomos até a casa de Ivo, sua filha Leide era uma fonte ambulante. Os valores que ela tinha eu não conseguia medir, o detector já estava saturado também. As taxas eram extremamente elevadas, inadequadas para o convívio de qualquer ser humano, por isso foi evacuada toda a região", contou o físico em uma entrevista ao Fantástico.
Quarentena
Sete pontos de Goiânia foram evacuados na época do acidente por causa do alto índice de radiação, e a CNEN montou um esquema de triagem no Estádio Olímpico, onde cerca de 112 mil pessoas foram colocadas em quarentena e banhadas constantemente, sem justificativas dadas pelo governo, que escondeu a causa e o incidente.
Cerca de 6 mil toneladas de material contaminado foram enterrados, localizado no município de em Abadia de Goiás. Agentes da comissão, policiais e bombeiros também ficaram encarregados de destruir os utensílios e objetos pessoais das pessoas que tiveram contato com o césio-137, uma vez que esses estavam contaminados.
Vítimas e consequências
Foram registradas oficialmente quatro mortes causadas diretamente pelo césio-137. A primeira delas foi a filha do Ivo Alves Ferreira, a menina Leide das Neves Ferreira, que morreu em 23 de outubro de 1987. Maria Gabriela Ferreira, de 37 anos, esposa de Devair também morreu no mesmo dia.
As outras vítimas, apesar de terem sobrevivido, acarretaram diversos problemas de saúde por conta do contato com a radiação. O irmão de Devair e de Ivo, Odesson Alves Ferreira, foi a última pessoa a sair da quarentena e teve consequências de deformação física.
"Peguei um fragmentozinho, do tamanho de um grão de arroz, mais ou menos e coloquei na palma da mão e esfreguei nos dedos. A amputação do dedo foi proveniente disso, porque queimaram também esses dois dedos justamente onde eu peguei”, contou ele em entrevista ao Fantástico.
O acidente de Goiânia é considerado o 2° maior da história no âmbito radioativo, atrás apenas do acidente na usina nuclear de Chernobyl, em 1986, na Ucrânia. Em 1996 três médicos responsáveis por terem abandonado a clínica com o aparelho de radioterapia, mais um físico e o dono do prédio, foram condenados por homicídio culposo com pena de três anos e 2 meses, em regime aberto.
Os moradores da área afetada sofreram com amputações, tumores e doenças graves como o câncer, além de todo o preconceito que rondava sobre eles, já que foram por muitos anos vistos como "contaminados".
+ Saiba mais sobre o acidente do Césio-137 por meio de grandes obras disponíveis na Amazon:
Os Bastidores do Césio-137. O Acidente Radiológico de Goiânia Sob a Ótica dos Profissionais que Nele Atuaram, de Suzana Helou (2017) - https://amzn.to/2AqnM4d
Césio 137: O maior acidente radiológico do mundo que aconteceu no Brasil, de Editora Mundo dos Curiosos (Ebook) - https://amzn.to/2xZeoDP
Sobreviventes do Césio 137, de Carla Lacerda (Ebook) - https://amzn.to/3boVRyd
Césio 137: o drama azul: irradiação em narrativas, de Suzane de Alencar Vieira (2014) - https://amzn.to/2zBFjps
Vale lembrar que os preços e a quantidade disponível dos produtos condizem com os da data da publicação deste post. Além disso, a Aventuras na História pode ganhar uma parcela das vendas ou outro tipo de compensação pelos links nesta página.
Aproveite Frete GRÁTIS, rápido e ilimitado com Amazon Prime: https://amzn.to/2w5nJJp
Amazon Music Unlimited – Experimente 30 dias grátis: https://amzn.to/2yiDA7W
Dom Antônio de Orleans e Bragança recebia a "taxa do príncipe"?
Banco Central sob Ataque: Veja a história real por trás da série da Netflix
Outer Banks: Série de sucesso da Netflix é baseada em história real?
O Rei Leão: Existe plágio por trás da animação de sucesso?
Ainda Estou Aqui: O que aconteceu com Eunice Paiva?
Ainda Estou Aqui: 5 coisas para saber antes de assistir ao filme