A terrível experiência de Terry Jo foi muito além que 84 horas perdida no mar
André Nogueira Publicado em 12/10/2020, às 09h00
Em novembro de 1961, um caso tétrico escandalizou os canais de notícias americanos, depois que o navio petroleiro Gulf Lion, nas Bahamas, encontrou um pequeno bote que rebocava uma jangada no mar. No bote, autoridades se depararam com Julian Harvey, capitão do navio Bluebelle, que acompanhava Terry Jo Duperrault, aparentemente morta.
Depois de embarcar no navio que o resgatou, Harvey relatou que levava a família da menina à Flórida através de um cruzeiro nas ilhas caribenhas. No entanto, uma tempestade teria destruído a embarcação em que estavam. Segundo ele, cinco membros da família Duperrault e sua esposa, Mary Dene, perderam a vida na tragédia. Sem nem pensar duas vezes, contou a mesma história para a Guarda Costeira.
A narrativa teria acabado assim, se um barco grego, dias depois, não tivesse resgatado uma garota no mar, enfraquecida, que se identificava como Terry Jo, a quilômetros de distância. Terry era uma jovem de 11 anos, loira e apegada aos seus familiares: uma típica menina de classe média.
Filha de um marinheiro talentoso, Dr. Arthur, ela estava em meio a uma ambiciosa viagem ao Atlântico com a família. No retorno à Flórida, Terry teria se deitado numa das cabines do interior do convés até cair em profundo sono.
Desespero
Naquela noite, foi acordada aos gritos de “Ajuda, papai! Ajuda!”, na voz de seu irmão Brian. Passos agressivos também interrompiam o silêncio da embarcação, o que fez a jovem travar de medo por minutos. Quando tomou coragem de sair para ver o que acontecia, descobriu a tragédia: sua mãe e seu irmão estavam mortos, encharcados de sangue.
Ao lado, Harvey caminhava em sua direção, chegando a empurrá-la de volta ao quarto. Chocada e sem saber reagir, ela voltou à cama e ficou paralisada, enquanto ouvia o som da água, que de repente começava a entrar em seu quarto. Morrendo de medo, ela presenciou o guia da família a observando com um rifle na mão, enquanto o cômodo enchia-se de água, pois o navio estava afundando.
Harvey já havia sumido quando Terry decidiu sair da cabine e retornar à parte superior do barco. Lá, reencontrou o guia, que fugia em um pequeno barco de apoio. Ele colocou a corda que segurava o bote na mão da jovem e se lançou na água, de maneira a se afastar do barco e impedir que a menina se salvasse junto. Lá ficou ela abandonada para morrer.
O primeiro resgate
Depois que Harvey foi encontrado à deriva e contou sua versão da história, ele foi colocado em suspeita: o homem parecia calmo com a situação traumática, após a morte da esposa e de amigos.
Harvey também tinha um estranho histórico envolvendo perdas de barco: anteriormente, dois desses barcos teriam afundado em suas mãos, sendo que no primeiro, estranhamente suspeito, o veículo teria batido de modo aparentemente intencional, enquanto o outro pegara fogo. Em ambos os casos, ele foi ressarcido pelo seguro.
Porém, a história do charlatão pouco importou para a Guarda Costeira depois que um de seus membros entrou correndo na sala onde as investigações ocorriam com a informação: uma sobrevivente da tragédia havia sido encontrada. Depois de três dias e meio, Terry finalmente estava a salvo.
Desidratada, repleta de queimaduras e inconsciente, além de desnutrida, ela estava à beira da morte. O corpo que Harvey trazia dizendo ser dela era, na verdade, da irmã Rene: muito mais suspeito. Terry conseguiu pular num bote de cortiça enquanto o Bluebelle afundava, sobrevivendo por um triz e acabando com os planos do piloto.
Numa súbita tentativa de atuação, Harvey se levantou e gritou “Oh meu deus!” ao descobrir a notícia. Falou quão maravilhosa era a informação, saindo com rapidez da sala de investigação. No dia seguinte, porém, foi constatada a informação: o assassino fora encontrado num banheiro de sua casa, morto por autoflagelação, com uma nota: “Estou com um nervosismo e não posso continuar. Vou sair agora. Acho que ou não gosto da vida ou não sei o que fazer".
Caso famoso
Em pouco tempo, uma imagem tirada pelo funcionário que descobriu a garota no bote (em que ela esta sentada na jangada cercada de um vasto mar) se tornou mundialmente conhecida, sendo divulgada pela revista LIFE ao lado da notícia do desaparecimento de Michael Rockfeller na Nova Guiné. Seu caso ficou conhecido, mas Terry tentava retomar a vida anônima e normal que tinha.
Terry só havia dado seu testemunho aos funcionários da Guarda Costeira, passando a nunca mais tocar naquele trágico assunto. Com uma versão bem concisa do acontecimento, a Guarda declarou que aquela era a verdade sobre a tragédia.
Segundo teoria do escritor Richard Logan, que escreveu sobre os assassinatos no livro Alone: Orphaned on the Ocean (Sozinha: Órfã no Oceano, numa tradução livre), Harvey teria tentado matar sua esposa pelo dinheiro do seguro, mas foi descoberto por algum membro da família Duperrault, levando à chacina.
Depois de passada a horrenda história, Terry conseguiu retomar sua vida e constituiu família no Wisconsin. E, surpreendentemente, depois de tudo isso, ela se dedicou em parte à missão de proteger corpos d’água naturais pelos EUA.
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