A forma como a civilização foi retratada pela indústria do cinema deu origem a inúmeras inverdades
Letícia Yazbek Publicado em 25/12/2019, às 11h00
Muitas vezes os romanos foram retratados como uma grande civilização dedicada à devassidão e à decadência, que vivia à base de álcool e sexo enquanto assistia as pessoas lutarem até a morte nas arenas.
Na verdade, a falta de precisão histórica com que essa civilização é representada – principalmente pelos meios de comunicação e entretenimento – gerou uma ideia errada de como era, de fato, a vida dos romanos.
Apesar de não ser democrática, a sociedade romana era baseada em um estado de direito. De acordo com ela, os cidadãos comuns deveriam viver suas vidas seguindo um código moral orientado pela integridade, sinceridade e perseverança.
Veja 10 coisas que você pensou que sabia sobre os romanos, mas que são incorretas.
1. Os vomitórios não foram construídos para que os romanos pudessem comer muito
O mito popular diz que os vomitórios, salas construídas ao lado dos salões de festas, foram projetados para que as pessoas pudessem vomitar quando seus estômagos ficassem cheios demais. Assim, podiam voltar à mesa e continuar comendo.
Na verdade, os vomitórios eram simplesmente antessalas, saídas e passagens, locais por onde as multidões que ocupavam os grandes salões poderiam sair. Esse movimento de uma multidão deixando um espaço de uma só vez foi o que deu a origem do nome vomitorium, em latim.
O Coliseu, por exemplo, contava com 80 vomitórios, localizados ao redor de toda a construção, que possibilitavam a entrada e a saída do público.
2. Os polegares para cima ou para baixo não determinavam o destino dos gladiadores
Existe uma crença que diz que, quando os gladiadores se enfrentavam na arena, o imperador – ou, em alguns casos, o público – decidia o destino do homem derrotado. Polegares para cima indicariam que ele poderia continuar a viver, enquanto polegares para baixo selavam sua morte.
Os polegares eram utilizados, na verdade, para indicar se a luta podia continuar. O dedo apontado para baixo significava “abaixem as espadas” ou “parem de lutar”. Assim, o gladiador perdedor viveria para lutar outro dia.
Isso acontecia porque os gladiadores eram quase celebridades. Eram altamente qualificados e passavam por um treinamento intensivo. Matar um deles não era fácil nem vantajoso – significaria que muito tempo e dinheiro haviam sido desperdiçados.
3. Os romanos não falavam apenas latim
O latim era a língua oficial do Império Romano, mas outros idiomas eram falados, tanto em Roma quanto em todo o seu vasto território. Os idiomas grego, osco e etrusco, por exemplo, eram algumas das línguas mais comuns faladas em Roma.
Além disso, havia mais de mil variações locais do latim. Apenas em documentos escritos havia alguma uniformidade. Mesmo os aristocratas romanos não falavam latim o tempo todo – o grego era considerado a língua da elite culta.
4. A plebe não era pobre e ignorante
Hoje, a palavra plebeu é considerada um insulto, usada para caracterizar ou ofender pessoas de baixa classe. Em Roma, no entanto, ser um plebeu significava simplesmente ser um cidadão comum, que não fazia parte da classe aristocrata dominante.
Inicialmente excluídos dos cargos públicos - ocupados apenas pelos descendentes das famílias dominantes -, os plebeus lutaram por seus direitos e, em mais de uma ocasião, formaram seu próprio governo.
5. Os romanos não usavam togas o tempo todo
Na maioria dos filmes e seriados sobre Roma, todos aparecem vestindo togas, independentemente da época, da ocasião e da hierarquia.
A toga – um longo pedaço de pano usado sobre o ombro – era utilizada apenas por homens, e só em ocasiões importantes. As togas mais antigas eram mais simples, enquanto as versões posteriores se tornaram roupas elaboradas e pesadas.
Havia uma hierarquia no vestuário: de acordo com o tamanho, a forma ou a cor da toga, um cidadão podia ser identificado de acordo com sua posição social. A toga do imperador, por exemplo, era roxa, cor que simbolizava poder.
No entanto, no dia a dia os romanos preferiam usar roupas mais leves e práticas, como túnicas feitas de linho ou lã. Soldados vestiam casacos de couro ou peles de animais. Já as pessoas mais pobres ou escravos usavam túnicas curtas.
6. Eles não salgaram as terras de Cartago
Ao longo de aproximadamente três séculos, Roma e Cartago travaram três guerras. Na sangrenta Terceira Guerra Púnica, em 146 a.C., Cartago foi finalmente destruída.
A vitória de Roma deixou a cidade de Cartago arrasada. Mas a história de que o exército romano salgou a terra, tornando o solo infértil por décadas, não passa de um mito. Essa história, que simbolizava a destruição total do inimigo, se tornou bem conhecida pelos historiadores. No entanto, não há evidências em relatos conhecidos de que isso realmente aconteceu.
Além disso, enormes quantidades de sal teriam sido necessárias para causar tamanho estrago, e é improvável que, após ganhar a guerra, os romanos tenham gastado dinheiro, tempo e esforço salgando o solo inimigo.
7. Nero não tocou violino enquanto Roma estava em chamas
De acordo com Suetônio, biógrafo de Nero, o imperador “praticava todo tipo de obscenidade”, de incesto a assassinatos e crueldade contra os animais. Na biografia, Seutônio conta que, quando o fogo varreu Roma, em 64 d.C., Nero subiu ao topo das muralhas da cidade vestindo roupas teatrais e recitou um poema épico sobre a destruição de Troia.
Tempos depois, o historiador Cassius Dio elaborou a história, dizendo que, enquanto observava a cidade queimar, Nero tocava uma cítara. Em narrativas posteriores, a cítara se tornou um alaúde. Em 1649, o dramaturgo George Daniel fez com que o alaúde se tornasse um violino.
Na verdade, Suetônio aproveitou o humor da época para caracterizar Nero, que já não era um governante popular. Mas os historiadores acreditam que o imperador não estava em Roma no momento do incêndio, e que todo o episódio do violino foi inventado.
8. Os romanos não inventaram a saudação nazista
Há uma crença comum de que a saudação nazista surgiu no Império Romano – braço estendido ligeiramente para cima, com a palma voltada para baixo. No entanto, não há documentos ou qualquer evidência de que isso seja verdade.
O mito provavelmente surgiu com a pintura O Juramento dos Horácios, que mostra um grupo de soldados fazendo um gesto semelhante. Mas não há nada que indique que esse gesto tenha algum significado além da licença artística do pintor.
O partido fascista de Mussolini, com a intenção de remontar ao glorioso passado italiano, copiou o que ele acreditava ser um gesto de saudação.
9. Calígula nunca nomeou seu cavalo como cônsul
Proclamado imperador em 37 d.C., Calígula é conhecido como um dos mais psicopatas e narcisistas líderes romanos. A vida do imperador é cercada de boatos e mistérios.
Uma das histórias mais famosas conta que Calígula nomeu o seu cavalo, Incitatus, cônsul e sacerdote, e estava seguindo seus conselhos. Na verdade, um escrito de Suetônio afirma que Calígula apenas proclamou sua intenção de fazê-lo.
“Quando Calígula foi perguntado sobre quem seria o cônsul no próximo ano, ele respondeu que preferia o seu cavalo aos candidatos disponíveis. É uma resposta de alguém sarcástico, tirada do contexto", diz Anthony Barrett, professor de História Romana na Universidade da Columbia Britânica.
10. Os gladiadores não eram todos escravos
Alguns gladiadores realmente eram escravos; outros eram criminosos condenados. Mas alguns eram cidadãos comuns que se voluntariavam para o combate na arena, atraídos pelo dinheiro e a fama que os gladiadores conquistavam.
Mulheres também podiam lutar nas arenas, e muitos dos homens que se tornavam gladiadores eram aristocratas que perderam sua fortuna.
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