Mariam foi denunciada pelo seu meio-irmão por ter supostamente abandonado a religião islâmica ao se casar com um homem cristão — e a punição para esse ato era a morte
Ingredi Brunato Publicado em 27/12/2020, às 11h30 - Atualizado às 12h00
Em 2014, um caso ocorrido no Sudão chocou o mundo. A protagonista forçada da situação era Mariam Yahia Ibrahim Ishag, uma mulher que estava grávida do seu segundo filho, quando foi condenada à morte por enforcamento pelo tribunal sudão.
O motivo da severa sentença era simplesmente que Mariam havia se convertido à religião cristã, uma vez que havia se casado com um homem seguidor dessa crença. Segundo os promotores do caso, a mulher teria nascido islâmica, e devido ao seu laço matrimonial, abandonado a religião, ato que é chamado de “apostasia” e considerado um crime gravíssimo no país. Quem a denunciou foi seu meio-irmão.
Caso a repressão à liberdade religiosa já não fosse chocante o suficiente, uma vez que nega um direito humano, a situação da mulher sudonesa ainda tinha outro detalhe: ela na verdade foi criada como uma cristã ortodoxa, que era a crença de sua mãe. Dessa forma, nunca teria cometido apostasia.
Todavia, a justiça sudanesa considerou que Mariam devia ter seguido o islamismo desde o princípio por essa ser a religião de seu pai, ainda que ele nunca tivesse estado presente em sua vida para lhe ensinar as tradições muçulmanas.
Duas penas
Além da pena de morte, que foi determinada para dois anos após o seu parto, de forma que ela pudesse cuidar de seu filho durante esse período, Ibrahim ainda foi sentenciada à chibatadas. O motivo por trás dessas seria o “crime de adultério”.
Isso porque, embora a grávida nunca tivesse tido relações sexuais fora de seu casamento, laços matrimoniais entre muçulmanos e seguidores do cristianismo são considerados nulos. Assim, o fato de Mariam ter se casado com alguém que não era membro do Islã foi interpretado como adultério pelas autoridades do Sudão.
Prisão
O tribunal deu um prazo de três dias para a mulher sudanesa converter-se para o islamismo, todavia Ibrahim recusou-se a fazê-lo, alegando que não podia mudar a fé que nutrira durante sua vida toda sob coerção do sistema legal sudão.
Apesar dos apelos internacionais, incluindo o da Anistia Internacional e o das embaixadas dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e Holanda, a grávida acabou sendo encarcerada, e precisou ter seu bebê dentro de uma cela; ainda que passasse por uma gestação complicada, que precisava de acompanhamento médico.
Em uma declaração para a CNN, o advogado da mulher falou sobre a situação desumana enfrentada por ela e seu recém-nascido: “O filho do casal está passando por um período difícil na prisão. Ele está muito afetado por estar preso desde tão jovem dentro de uma prisão, está sempre doente por falta de higiene e insetos".
Depois de tudo
Após extensas intervenções da embaixada dos Estados Unidos, Mariam finalmente pôde não apenas ser libertada, mas também deixar o país, buscando exílio em território norte-americano.
Hoje a sudanesa cristã vive com o marido e os dois filhos na Virgínia, nos EUA, e é cofundadora de uma ONG que ajuda mulheres vítimas de perseguição religiosa e violência doméstica.
Em julho de 2020, uma emenda na legislação sudanesa fez com que a apostasia deixasse de ser punida com a morte.
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