“Três Estudos para Figuras na Base de uma Crucifixão” é tão perturbador que um crítico sentiu alívio ao sair de perto dele
Fábio Marton Publicado em 10/02/2019, às 06h00
Ninguém conseguia ficar diante dos três quadros por muito tempo. Havia uma intensa visceralidade, algo aterrador como nada até então no tríptico com que o inglês Francis Bacon iniciava sua carreira – tudo o que veio antes, ele tentou dar fim, dizendo ser inválido. “Eu devo confessar, fiquei tão perturbado com o surrealismo de Francis Bacon que fiquei feliz quando escapei da exposição”, afirmou o crítico Herbert Fust. Que morreu no mesmo ano.
Não um ano qualquer. O quadro foi pintado no final da Segunda Guerra, e apresentado em abril de 1945, quando começavam a ser reveladas as primeiras fotos dos campos de extermínio nazistas. Uma nova e brutal arte para uma nova e brutal era.
Bacon tinha 35 anos. Até então decorador de interiores, havia pintado outros quadros, mas renegou-os. Caracterizada até o fim por imagens incômodas, sua carreira que conta começava então. E, para o crítico John Russel, também uma fase na arte britânica. “Existe pintura na Inglaterra antes e depois dos Três Estudos”, escreveu em 1971.
Michael Peppiatt, biógrafo de Bacon, acredita que os quadros não foram realmente pensados como um tríptico, nem tinham nada a ver com crucifixão – que não aparece em nenhum lugar. Bacon, ainda que afirmando que elas eram mesmo a base de um quadro que pretendia fazer um dia, as chamava de “fúrias”, criaturas terríveis da mitologia grega. A primeira, a figura à esquerda, é a mais próxima de um ser humano e, de fato, como notou o crítico Hugh Davis, parece estar em posição de luto.
Segundo o artista, a boca da figura central veio de uma mulher ferida no filme O Encouraçado Potemkin (1925). A venda usada pela criatura é uma das poucas partes facilmente relacionáveis à tradição cristã. Bacon citou o quadro O Escárnio de Cristo, de 1503, como inspiração. Nele, Jesus aparece vendado.
Menos humana de todas – ainda que alguns vejam na boca gritante uma referência aos líderes nazistas –, a figura da direita já havia aparecido num quadro de 1943, ao qual Bacon tentou dar fim, mas que foi achado em 1997. Parece um boi no pasto, pronto para ser abatido. A crítica Jean Clair perguntou o que “matança, cenas de açougue, carne mutilada” tinham a ver com crucifixão. Resposta do artista: “É tudo o que a crucifixão era, não?”.
A superfície ao fundo é pintada de forma irregular. Bacon fez o conjunto em três semanas. Segundo ele próprio, entre bebedeiras e ressacas. Em 1944, Londres sofreu ataques de foguetes V-2, que, sem qualquer aviso, podiam aniquilar tudo.
O tríptico foi pintado sobre placas de compensado porque Bacon não tinha dinheiro para comprar telas em meio à guerra. Em 1988, lançou uma segunda versão, em tela, com o dobro do tamanho e traços mais trabalhados. Os críticos acharam que perdeu a força.
Três Estudos para Figuras na Base de uma Crucifixão
Nome original: Three Studies for Figures at the Base of a Crucifixion
Data: 1944
Autor: Francis Bacon
Técnica: óleo sobre compensado
Dimensões: 1.162 x 960 x 80 mm (cada um)
Local: Tate Gallery, Londres
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