A cantora Rita Lee fez história com suas canções repletas de críticas — e chegou a ter dezenas de obras censuradas pela ditadura
Giovanna Gomes Publicado em 11/12/2023, às 18h27 - Atualizado às 18h28
Rita Lee, uma das maiores artistas da história da música brasileira, teve diversas de suas canções censuradas durante a ditadura militar no Brasil. A cantora e compositora faleceu em maio de 2023, ao 75 anos de idade, deixando um legado não apenas artístico, mas de contestação aos padrões morais impostos pela sociedade, especialmente aqueles relativos ao comportamento feminino.
De acordo com Norma Lima, doutora em literatura e professora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), dezenas de músicas de Rita Lee foram alvo de vetos. A cantora chegou até mesmo a ter um álbum completo, intitulado "Bombom", censurado durante o período ditatorial.
Lima explicou ao portal de notícias G1 que o fato de Lee ser uma 'mulher livre' fez com que ela fosse alvo da ditadura. O espírito livre da artista batia de frente com o que se 'esperava' de uma mulher que vivia nos 60 a 80.
De acordo com a pesquisadora, Lee trazia em suas letras críticas à moral e aos bons costumes da época, mostrando ser uma mulher à frente de seu tempo.
“Me faz de gato e sapato, e me deixa de quatro no ato” e “mulher é bicho esquisito, todo mês sangra” — trecho questionado por fazer menção ao ciclo menstrual — são alguns exemplos de versos que foram malvistos pela censura da época.
O biógrafo de Rita Lee, o jornalista Guilherme Samora, teve acesso a documentos do Arquivo Nacional que revelam os argumentos utilizados por censores da ditadura militar para proibir a divulgação das músicas da cantora. Ele destaca duas composições de Lee que foram alvo de censura: "Arrombou o cofre" e "Degustação".
Um dos registros obtidos alega que a rainha do rock violou a Lei de Segurança Nacional ao mencionar políticos da época. Por esse motivo, os censores optaram por vetar "Arrombou o cofre".
“Trata-se de composição contendo críticas de cunho político que descambam para o insulto de personalidades públicas como suas excelências, os deputados Ivete Vargas, Paulo Maluf, Ministros Beltrão, Mário Andreazza e Delfin Neto, do General Golbery do Couto e Silva, do vice-presidente Aurelino Chaves e dos senhores Jânio Quadros e Solange”, diz o documento do Arquivo Nacional.
Os versos finais da canção dizem: "Cabeças vão rolar, que tal a gente apostar?/Incêndio, incêndio, incêndio!/Pegou fogo o berço esplêndido!"
O documento do Arquivo Nacional afirma que há uma clara incitação à rebelião popular, o que é proibido conforme o parágrafo oitavo do artigo 152 da Constituição Federal, configurando uma infração à Lei de Segurança Nacional.
A música anteriormente mencionada faz parte do álbum Bombom, que foi alvo da ditadura. Para Guilherme Samora, o álbum censurado é, no entanto, “um dos discos mais lindos da Rita”.
“Proibida a rádio difusão e a execução pública das faixas ‘Arrombou o cofre’ e ‘Degustação’. Venda proibida a menores de 18 anos. Ele [o disco] vinha lacrado da loja. E a primeira leva do disco veio riscado. Tem duas músicas riscadas, as pessoas passavam gilete porque não podiam ser tocadas. Isso era a mando do governo da ditadura, através do órgão de censura. Mas, é um dos discos mais lindos da Rita”, considerou o biógrafo da artista.
Entre as músicas censuradas estão: Barriga de mamãe; Afrodite, que se tornaria Banho de Espuma; Cor de Rosa choque; Lança Perfume; Bobagem Papai, me empresta o carro; De leve, parceria com Gilberto Gil; Gente fina é outra coisa; Posso perder minha mulher, minha mãe, desde que eu tenha o rock n' roll; Perigosa, trabalho com As Frenéticas; x-21; Arrombou o cofre; Top Top; As duas faces de Eva; Muleque Sacana.
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