A Europa do século 14 foi devastada pela doença, que matou cerca de um terço da população
Nicoli Raveli e Ingredi Brunato Publicado em 04/03/2021, às 17h57
A peste negra causou uma das mais devastadoras pandemias da História, fazendo entre 75 e 200 milhões de vítimas no decorrer dos quatro anos de seu primeiro - e mais mortal - surto, ocorrido durante o século 14.
Se hoje esses números já seriam assustadores, no passado foi muito pior. De acordo com a historiadora Vera Machline, que deu uma entrevista para a Superinteressante em 2011, a doença foi responsável por varrer para o mundo dos mortos cerca de um terço da população da Europa da época.
Assim, o número crescente de cadáveres logo se tornou um problema para as pessoas do período, uma vez que não havia tempo hábil para dar cerimônias funerárias adequadas a todos, ou mesmo cavar sepulturas individuais.
Enterros múltiplos
De acordo com uma reportagem do The Guardian de 2006, que divulgou as informações do livro “Necropolis: London and Its Dead” (Ou, em tradução livre, “Necrópole: Londres e seus Mortos”), escrito pela jornalista Catharine Arnold, a construção de valas comuns logo se tornou uma realidade frequente naquele período da Idade Média. A prática era uma alternativa aos cemitérios que rapidamente se tornavam superlotados.
No livro “History of London”, que foi lançado em 1739 pelo historiador William Maitland, ele relatou sobre um bispo londrino que comprou um terreno apenas para transformá-lo em uma vala comum, e quando este ficou sem espaço, um proprietário de terras da região contribuiu comprando uma área adicional de mais 13 acres.
Como resultado, estamos até hoje descobrindo onde ficaram localizadas essas sepulturas coletivas. Em 2017, por exemplo, o Instituto de Arqueologia da Academia de Ciências Tchecas desenterrou mais uma delas na República Tcheca. Um total de 30 covas coletivas foram capazes de armazenar uma quantidade de 1,5 mil esqueletos, segundo foi repercutido pela revista Galileu.
Ainda segundo Catharine, a peste negra foi responsável por mudar a relação dos europeus com a morte. Isso porque, antes, os cemitérios seriam usados como espaços de socialização:
“Os cemitérios eram espaços comuns que ficavam no centro da vida paroquial, mais parecidos com mercados de rua do que qualquer coisa. Bandas de atores viajantes encenavam peças de teatro, as pessoas jogavam futebol, dançavam, bebiam e lutavam no terreno sagrado”, afirmou a autora em uma entrevista para a Vice em 2015.
Embora as pessoas da época não tivessem conhecimento de que o mal era causado por um microorganismo, uma bactéria que hoje conhecemos como “Yersinia pestis”, e também não tivessem como saber que as pulgas e os ratos serviam como transmissores, eles eram capazes de fazer a conexão entre cadáveres da peste e novos infectados.
“A Peste Negra levou os devotos a questionarem a própria natureza da existência. A morte, antes a conclusão inevitável de uma boa vida cristã, havia se tornado então uma aparição aterrorizante, golpeando sem alerta e exterminando uma geração inteira”, concluiu Arnold na mesma entrevista.
“A Peste Negra acelerou o declínio da servidão e a ascensão de uma classe próspera de camponeses, os Yeomen, no século XV”, escreveu Norman Cantor no livro No Despertar da Peste, o que também foi divulgado pela Vice.
De acordo com ele, a escassez de mão de obra contribuiu para esse cenário: “Os camponeses podiam pressionar por salários mais altos e mais eliminação de taxas e restrições servis. Os proprietários mais empreendedores acabaram se preparando para ceder às demandas dos camponeses. A melhoria do padrão de vida de muitas famílias camponesas é demonstrada pela mudança de louça de barro para panelas de metal que os arqueólogos descobriram", explicou o autor.
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