A Marinha do Brasil comprou três navios de grosso calibre, deixando o mundo em polvorosa
Ricardo Lobato Publicado em 04/08/2020, às 08h00 - Atualizado em 04/10/2023, às 16h42
Em 1908 os congressistas britânicos estavam intrigados com uma situação peculiar, que tratavam como “prioridade de segurança nacional”. Era um assunto afeito à Marinha de Guerra. A preocupação era tanta que fizeram questionamentos oficiais ao Almirantado Britânico.
Para todos, a resposta era que nada havia para se preocupar, porém, as inquietações não diminuíam. E uma sentença era recorrente: “Os navios do Brasil”. Pode soar estranho que a Câmara dos Comuns se preocupasse tanto com os navios de um país a milhares de milhas náuticas, tido como aliado, mas, para o Parlamento, a inquietação não era infundada.
Desde 1905, estava sendo construída, em estaleiros britânicos, uma série de navios para reequipar a Marinha de Guerra do Brasil. Mas, em 1907, o governo brasileiro solicitou um incremento ao projeto, dando início às preocupações dos ingleses. Era começo do século 20, enquanto nas Américas nações independentes se firmavam e os EUA se consolidavam como potência, a Europa expandia seus domínios sobre África e Ásia.
No Brasil, mesmo pregando o “caráter pacífico” da nova república, muitos chefes políticos não escondiam a preocupação com o estado lastimável da força naval. Em uma jovem democracia, a recomposição da armada se fazia essencial, não por interesses bélicos, mas para salvaguardar a nação de possíveis agressões externas. Na “Era dos Impérios”, a corrida armamentista não era apenas das grandes potências, era uma realidade na América do Sul.
Desde a década de 1880, a Argentina e o Chile competiam pela supremacia naval sul-americana. E com orçamentos militares crescentes, começavam a alarmar o Brasil. A Marinha Brasileira, outrora uma das maiores do mundo, consagrada em Riachuelo, encontrava-se em estado calamitoso desde o episódio conhecido como “Revolta da Armada”, onde se insurgira contra o então presidente, Floriano Peixoto.
Para reverter esse quadro, foi elaborado um plano de reorganização naval, aprovado em 1904 pelo Legislativo brasileiro, culminando com a encomenda dos “mais modernos vasos de guerra à Inglaterra”. Porém, em 1906, o plano sofreu uma reviravolta.
Frente aos progressos navais do Império Alemão, a Royal Navy lançou o HMS Dreadnought, um tipo de canhão pesado considerado “revolucionário e à frente de seu tempo”. Com isso, e sabendo da importância do tipo de canhão na vitória naval japonesa contra o Império Russo, em Tsushima, o Brasil cancelou a compra anterior e encomendou três dreadnoughts.
Não fosse apenas o custo, a quantidade de navios chamou a atenção. A própria Inglaterra tinha só um. De Santiago a Berlim, de Washington a Tóquio, todos
estavam intrigados com “os navios do Brasil”. Especulou-se que o país seria o intermediário de uma grande potência. Em Londres, o Parlamento se inquietou.
Já em Buenos Aires, foi decidido que também teriam seus dreadnoughts, encomendando dois à Inglaterra, acirrando a corrida armamentista no Cone Sul. Quando os dois primeiros navios ficaram prontos, em 1910 – recebendo a designação de Classe Minas Geraes – os problemas econômicos haviam se intensificado, muito pelo declínio do ciclo da borracha.
Não conseguindo cancelar o terceiro navio, o Brasil vendeu-o, em 1911, para o Império Turco-Otomano. Em 1914, “os navios do Brasil” já não eram preocupação e a I Guerra Mundial havia começado, tendo sido, este último, incorporado à frota inglesa. A Turquia, agora, estava do outro lado. Os dreadnoughts eram apenas uma pequena parte de uma “Grande Guerra”.
Ricardo Lobato é Sociólogo e Mestre em economia pela UNB, Oficial da Reserva do Exército brasileiro e Consultor-chefe de Política e estratégia da Equibrium — Consultoria, Assessoria e Pesquisa.
**Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião da Aventuras na História
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