Em época de coronavírus, palmas limpas com água e sabão parecem ser algo óbvio — mas nem sempre foi assim
Vanessa Centamori Publicado em 23/06/2020, às 11h33
Imagine que determinada doença, tal como o atual coronavírus, começasse a se espalhar pelo mundo no século 19. Nesse período, o conselho de lavar bem as mãos como forma de prevenção não seria visto com bons olhos. Muito pelo contrário, ele seria um escândalo e você, provavelmente, seria taxado de louco se sugerisse isso.
Foi esse o enorme desafio que enfrentou o físico húngaro Ignaz Semmelweis. Por acreditar no poder da higiene das mãos, ele teve que encarar diretamente os olhares tortos de prestigiosos cientistas durante a primavera do século 1850, durante um encontro importante da Vienna Medical Society, na Áustria.
Historiadores acreditam que os notáveis homens presentes na reunião médica não aprovaram em nada a teoria apresentada por Semmelweis. O físico defendeu na ocasião que lavar as mãos seria uma boa pedida para reduzir o número de mortes nas maternidades.
Acontece que no hospital onde o expert trabalhava, o Vienna General Hospital ( assim como em muitos outros ao redor do mundo, naturalmente) muitas mulheres estavam morrendo de febre puerperal, uma infecção hospitalar com origem no útero, que matava milhares logo após o parto.
Querendo resolver essa questão, ele passou a investigar as causas do problema, que se agrava quando os partos eram feitos por médicos e estudantes, em vez de parteiras. Depois de pesquisar muito, ele atribuiu a causa do fenômeno das mortes aos cadáveres que eram dissecados e examinados em autópsias hospitalares.
Como somente os médicos e nunca as parteiras tinham contato com esses corpos, elas não eram infectadas pelas partículas causadoras de infecções. Além disso, embora naquele momento histórico o cientista Louis Pasteur ainda não tivesse criado uma teoria para explicar isso, os germes dos mortos ainda ficavam nas mãos dos doutores, que depois realizavam os partos (algo nada higiênico).
Tal constatação chocante fez Semmelweis exigir que no Vienna General Hospital os profissionais de saúde lavassem bem as mãos. E o processo não era feito como hoje: em vez de apenas usar água e sabão, era obrigatório que todos esfregassem as mãos com uma solução de cal clorado, especialmente para tirar o fedor da podridão dos cadáveres.
Outra medida adotada foi que a partir de então os médicos passaram a higienizar seus utensílios de trabalho também. Não por acaso, a mortalidade caiu muito na maternidade. E quando Semmelweis se mudou para a Hungária, o resultado foi o mesmo em outra instituição hospitalar.
Ainda assim, suas ideias sobre lavar as mãos ainda não foram bem aceitas. Pra piorar, ele ainda sofreu de uma doença grave (não se sabe se era sífilis ou Alzheimer) e teria se desequilibrado psicologicamente tentando provar suas ideias. Após ser internado em um manicômio, Semmelweis morreu, em 1865.
A explicação para a morte do cientista é trágica, mas também irônica. Foi por uma infecção microbiana causada por - adivinhe - uma pequenina ferida na mão, em 1865. De outro modo, teria a higiene das mãos salvado a vida de Semmelweis?
Bem, no passado, qualquer fissura na pele, por mais que fosse muito pequena, podia ser letal - mesmo para especialistas em medicina. O tio de Charles Darwin (que tinha o mesmo nome do sobrinho), por exemplo, morreu em 1778, após sofrer uma lesão ao dissecar uma criança.
Dois anos após a morte de Semmelweis, James Y. Simpson, o primeiro médico a mostrar as propriedades anestésicas do clorofórmio em humanos, também foi criticado, ao defender que instrumentos cirúrgicos fossem devidamente higienizados.
Só foi então em 1870 que especialistas da medicina começaram a lavar suas parafernalhas médicas. O trabalho de Semmelweis, que é hoje conhecido como o “Salvador das Mães”, começou logo depois a ser levado a sério, abrindo caminho para a criação da Teoria dos Germes de Pasteur.
A teoria é usada nos dias de hoje como base para inúmeros estudos, até mesmo para entendermos como funciona o coronavírus. Durante essa atual pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o fato de que o convid-19 pode persistir nas superfícies por algumas horas ou, até mesmo, vários dias.
O vírus usa gotículas como "transporte" e se instala nos botões de elevadores, teclas de computadores, celulares e no transporte público. Mãos limpas significam que ele não está na superfície do corpo e isso impede que, ao coçar, o invasor entre em mucosas, como olhos boca e nariz. Por isso, lembre: lave sempre muito bem as mãos.
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