Durante as missões do Programa Apollo, da NASA, a poeira lunar deixou um aroma peculiar nas narinas dos astronautas, que a descreveram de modo inusitado
Vanessa Centamori Publicado em 20/07/2020, às 11h48
Muito já se supôs sobre o que se passa na cabeça de um astronauta. Mas, e o que será que se passa pelo nariz? O palpite mais óbvio é: o aroma do espaço, ou ainda, o cheiro peculiar da Lua.
Esse aroma incomum da poeira lunar foi possivelmente sentido em seis missões do Programa Apollo, da NASA, por um total de 12 viajantes do espaço. Isso ocorreu entre 1969 e 1972, no entanto, décadas depois, cientistas ainda trabalham para identificar a origem dessa enigmática fragrância. E não, ela não tem nada a ver com queijo.
Uma descrição
Para a felicidade dos curiosos de plantão, o astronauta Buzz Aldrin, o segundo a pisar na Lua, na histórica Apollo 11, descreveu o mistério olfativo. "Era como carvão queimado", disse Aldrin, "ou semelhante às cinzas que estão na lareira, especialmente se você derramar um pouco de água sobre elas".
O astronauta entrou em contato com poeira da Lua quando ele e Neil Armstrong ( o primeiro a pisar na superfície lunar) entraram e repressurizaram o módulo lunar Eagle. Seus trajes e equipamentos ficaram sujos por aquele pó de odor distinto — algo que até então também era muito temido.
"Antes de deixarmos a Terra, a poeira lunar era considerada por alguns alarmistas como muito perigosa, de fato pirofórica, capaz de inflamar espontaneamente no ar", disse Aldrin. Segundo o viajante do espaço, o problema era que a substância estava sempre em pouco contato com oxigênio.
Desse modo, ao repressurizar a cabine do módulo lunar, o medo seria o local esquentar até arder em chamas. Então Aldrin e Armstrong fizeram um teste com uma amostra do solo, que foi colocada no topo cilíndrico da tampa de um motor da Eagle.
Os astronautas aguardaram para ver se amostra realmente ia explodir. "Se isso acontecesse, pararíamos a pressurização, abriríamos a escotilha e a jogaríamos fora. Mas nada aconteceu. Voltamos ao negócio de nos preparar para sair da lua", relatou Aldrin.
Composição paradoxal
Embora a poeira lunar não tivesse sido um problema na Apollo 11, o mistério quanto à sua origem e seu aroma ainda intriga. Mesmo que o aroma da Lua pareça ser pólvora, a sua composição é outra.
A pólvora é uma mistura de nitrocelulose e nitroglicerina, duas moléculas orgânicas inflamáveis "não encontradas no solo lunar", contou em comunicado da NASA, Gary Lofgren, do Laboratório de Amostras Lunares do Johnson Space Center.
Mas, se não há literalmente pólvora no solo da Lua, do que ele é feito então? Bom, metade da composição da poeira lunar é vidro de dióxido de silício, trazido por meteoroides — fragmentos de rochas menores do que asteroides. Além desses compostos espaciais, a Lua é também rica em ferro, cálcio e magnésio.
Possível explicação
Então, por que o cheiro? Ninguém sabe ao certo. Entretanto, claro, há algumas hipóteses. Gary Lofgren acredita que tudo se explica devido ao vento solar. A Lua é exposta a esse vento quente rico em hidrogênio, hélio e outros íons soprando para longe do Sol. Esses íons atingem a superfície lunar e ficam presos na poeira, criando um cheiro característico.
Outra possibilidade, segundo Lofgren, é que a poeira "queima" na atmosfera de oxigênio da sonda dos astronautas. "O oxigênio é muito reativo", explicou o cientista. "Facilmente é combinado com as ligações químicas pendentes da poeira do sol". Esse processo, assim, se chama oxidação, e produz uma queima, dando possivelmente o cheiro de pólvora.
Sumiço do aroma
Curiosamente, quando os astronautas voltam à Terra, a poeira da Lua não tem mais cheiro. Por isso que não adianta dar uma fungada nas centenas de quilos de pó do Laboratório de Amostras Lunares em Houston.
Mas, não é que o espaço faça os astronautas imaginarem a fragrância. As amostras da Lua, trazidas por eles, entram em contato com ar úmido e rico em oxigênio durante o tempo da viagem. A reação química então já terminou faz tempo quando eles retornam à Terra. O cheiro de pólvora some.
Outra possibilidade
Donald Pettit, um astronauta que já esteve a bordo da Estação Espacial Internacional (ISS), ainda que não na Lua, apontou uma explicação diferente para o aroma. Para tal, ele fez uma comparação: "Imagine-se em um deserto na Terra", diz ele. "O que você cheira? Nada, até chover. De repente o ar está cheio de odores doces e turfosos. A água que evapora do solo carrega no nariz moléculas que ficam presas no solo seco há meses".
Algo semelhante, portanto, também ocorre no nosso Satélite Natural, ele apontou. "A Lua é como um deserto de 4 bilhões de anos", disse. "É incrivelmente seco. Quando a poeira entra em contato com o ar úmido em um módulo lunar, você obtém o efeito 'chuva do deserto' - e alguns odores adoráveis".
Se para as narinas de Pettit o aroma de pólvora é "adorável", Harrison Schmitt, um dos integrantes da Apollo 17 ( última vez que a humanidade esteve na Lua) descreveu o cheiro como parecido com a pólvora que acabou de sair de uma arma.
Tal questão faz parte dos treinos físicos árduos dos aventureiros espaciais. "Todos os astronautas da Apollo estavam acostumados a manusear armas", disse Schmitt. Então, quando disseram que o pó da Lua cheira a pólvora queimada, eles sabiam do que estavam falando.
E para se ter uma noção, segundo as descrições, o aroma é diferente do cheiro do espaço. Os astronautas já relataram que o cheiro espacial traz uma "sensação metálica bastante agradável", ou ainda que lembra "fumaça de solda com cheiro doce", "bife queimado", "um odor distinto de ozônio, um cheiro acre" e até "biscoito de amêndoa queimado".
Um perfume com esse cheirinho inusitado foi criado pela empresa Omega Ingredients, que o batizou com o nome de Eau de Space. O aroma não sai por menos de 29 dólares ( R$156,15, na atual cotação). Além disso, outra fragrância com o cheiro da Lua está sendo criada pela companhia, mas vai ainda demorar para termos o perfume de pólvora: o produto está por enquanto sem previsão de lançamento.
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