A autora Carla Caruso e o historiador Fernando Costa explicam quem foi Francisco, o Zumbi, e qual foi sua importância para a luta por liberdade
Redação Publicado em 20/11/2020, às 00h00 - Atualizado às 11h03
Neste dia, em 1695, morria o homem conhecido como Zumbi dos Palmares. Nascido na Capitania de Pernambuco, em pleno Brasil Colonial, ele tornou-se um dos últimos líderes do Quilombo dos Palmares, o maior da época.
Tido como o herói do mocambo — sinônimo moderno utilizado para os quilombos —, ele ainda ganhou o apelido de Zumbi, o senhor da guerra. Filho de negros, o menino, que chamava Francisco, nasceu livre, mas foi escravizado aos seis anos.
Quando adulto, o jovem foi inserido em um acordo com o qual ele não concordava. Indignado com a liderança do Quilombo dos Palmares, que já existia desde a década de 1580, Francisco assumiu o posto, tornando-se o Zumbi, aos 23 anos.
"Pouco se sabe sobre sua vida e morte [de Zumbi], pois não existem muitos relatos e algumas fontes sobre sua trafegaria são lacunares ou superficiais", explica o professor de História, Sociologia, Filosofia e Atualidades Fernando Costa, que leciona cursos on-line e oferece conteúdos gratuitos para alunos no Youtube.
Ainda assim, sabe-se que, no total, Zumbi liderou o mocambo durante 17 anos. Dessa posição, o jovem ganhou tanta influência que, hoje em dia, é considerado um símbolo da resistência negra, segundo a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
O Zumbi representa simbolicamente uma voz, uma força, que se levanta em um sistema escravista e colonial”, explica a ficcionista Carla Caruso, autora do livro 'Zumbi: O último herói dos Palmares'. “Ele lutou para manter esse sistema fora do sistema”.
Na opinião da escritora, que produziu o livro ficcional inspirado na luta de Zumbi, tudo que ele queria era dar continuidade à hegemonia do quilombo.
Pai de três filhos, Francisco era casado com Dandara, uma das maiores guerreiras negras do período colonial. Embora fosse, de fato, um símbolo, no entanto, Zumbi não fugiu dos boatos e das conspirações que o perseguiram no futuro.
Como toda figura histórica, então, Zumbi dos Palmares tornou-se um personagem chave do Brasil. Da mesma forma, ele passou a ter seu nome envolvido em algumas polêmicas — fossem elas embasadas em documentos, ou não.
Foi assim que nasceu a ideia, por exemplo, de que Zumbi nunca foi o verdadeiro herói dos Palmares, mas sim Ganga-Zumba. Junto dessa, outra teoria diz que, seguindo as tradições coloniais, Zumbi tinha seus próprios escravos.
"A polêmica sobre Zumbi ter ou não escravos teve início em 2007, com o livro “Divisões Perigosas”, do antropólogo José de Sousa Martins", explica Fernando. "O livro não traz nenhuma fonte historiográfica que certifique a afirmação de escravidão em Palmares, apenas a opinião do autor".
Para Carla, tal teoria é bastante complexa. Mas tudo começa pela ideia de que “o sistema da época era escravista, então muitos escravos libertos começavam a ter seus próprios escravos”. Contudo, não é possível afirmar, a partir de documentos históricos, por exemplo, que Zumbi tinha seus próprios escravos.
Não há prova arqueológica, antropológica ou documental de que havia escravidão em Palmares", pontua Fernando, lembrando que "nenhum grilhão, corrente ou senzala foi encontrado naquele local".
Segundo o professor, "Palmares era uma comunidade de plantio de subsistência que acolhia negros e negras em fuga, mas também indígenas, caborés, cafuzos, mazombos, brancos e outras etnias que desejavam liberdade da amarra colonial" que dominava as demais regiões na época.
“É sabido que na Angola, por exemplo, e em muitos outros sistemas africanos, as pessoas pagavam suas dívidas com filhos ou sobrinhos, que iam trabalhar de escravos”, esclarece Carla. “Então o sistema da escravidão, essa troca, essa forma de trabalho, existia em algumas regiões da África.”
Ainda assim, na opinião da autora, é importante ressaltar que existem diferenças entre os sistemas escravistas. “Uma coisa é o sistema escravista, outra foram os brancos, as grandes potências, terem usado essa característica cultural para arrastar um contingente de pessoas e escravizá-las em outro país.”
Zumbi acabou sofrendo como o líder de qualquer movimento. Perseguido pelos supremacistas da época, foi morto no dia 20 de novembro de 1695 — e Dandara, por sua vez, cometeu suicídio. "Sabe-se que ela suicidou-se depois de presa, em 6 de fevereiro de 1694, durante sua fuga para não voltar na condição de escravizada", contou Fernando.
Era o fim de um movimento, de uma voz pulsante e de um homem que lutava por seus ideais. Como o representante que era, Zumbi também morreu nas mãos de homens que colocaram seus restos em exposição, como se sua morte fosse um aviso.
Séculos mais tarde, a Lei 12.519, instaurada em 2011, declarou que o dia da morte de Francisco seria o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Foi assim que uma voz se tornou movimento, se tornou punhos erguidos na esperança por igualdade.
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