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Brasil

Ninguém defendeu a monarquia?

Em 15 de novembro de 1889, o regime mais duradouro de nossa história caía como que do nada. Foi tão simples assim?

Letícia Yazbek Publicado em 03/08/2019, às 01h00

É célebre a frase que o povo assistiu bestializado à proclamação da república. Ela foi registrada 3 dias depois, em 18 de novembro de 1889, pelo jornalista – e republicano – Aristides Lobo. Sua versão completa é:

“O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”.

Mas foi mesmo assim? Partidos republicanos eram permitidos no Brasil.

Os ideais republicanos já se faziam presentes em solo brasileiro antes mesmo da Independência. Os movimentos da Inconfidência Mineira (1789) e a Revolução Pernambucana (1817) defendiam uma república como a dos EUA. Quando, às margens do rio Ipiranga, Dom Pedro I declarou o Brasil independente de Portugal, nossos vizinhos latino-americanos já se fragmentavam em pequenas repúblicas, comandadas por caudilhos.

O maior culpado pela aparente falta de resistência parece ter sido o próprio imperador. Quando o golpe militar que levou à República eclodiu no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1889, Dom Pedro II estava em Petrópolis. Certamente, poderia ter deixado a cidade e comandado a resistência. Em uma tentativa de continuar no poder, poderia até mesmo ter se aliado ao marechal Deodoro da Fonseca, seu amigo, que, alçado à posição de líder do movimento, não tinha grandes ideais republicanos. Em vez disso, o imperador aceitou os fatos. Dois dias depois, partiu com a família para o exílio na Europa.

Em Dom Pedro II, o historiador José Murilo de Carvalho descreve que, diante da proclamação, o imperador se manteve “abúlico e fatalista”. “Quando lhe disseram que a República já podia estar proclamada, respondeu: ‘Se for assim, será a minha aposentadoria. Já trabalhei muito e estou cansado. Irei então descansar’.”

Com seu pretenso líder não esboçando reação, houve apenas pequenos incidentes.

Mas os primeiros anos de República foram marcados pela grave crise econômica e pela conciliação dos interesses das forças que sustentavam o novo regime. Apoiadores de primeira hora se tornaram nostálgicos da monarquia. A coisa chegou a tal ponto que, em 1891, para evitar uma guerra civil, o presidente renunciou, sendo sucedido por Floriano Peixoto.

O Marechal de Ferro combateu fulminantemente os opositores e monarquistas, muitos dos quais eram exilados e fuzilados. Entre 1891 e 1894, a Revolta da Armada, formada por marinheiros, rebeldes e monarquistas, tentou derrubar o governo republicano. Reprimida fortemente pelas forças de Floriano Peixoto, a revolta terminou com mais de 10 mil baixas, entre militares e civis.

Em 1896, veio o maior desafio: um movimento místico, sócio-religioso, liderado pelo pregador Antônio Conselheiro. Considerava a república pecaminosa. Condenados à sua época como “fanáticos religiosos monarquistas”, hoje eles ganham certa simpatia à esquerda como criadores de uma comuna no sertão. Conselheiro não reconhecia a República, especialmente por ela ter estabelecido a separação entre Igreja e Estado.

Mas, de acordo com o professor do Departamento de História da USP Marcos Napolitano, “as razões de Canudos vão além da volta à Monarquia”. E não se sabe se o movimento, combatido fortemente pelo governo republicano, realmente tinha planos de partir em direção à capital e reinstalar um regime monárquico.

Em documentos como os manifestos de 1896 e 1913, políticos brasileiros defenderam a volta da Monarquia. Apesar de seus esforços, nenhum membro da família imperial demonstrou interesse em lutar pela causa, e o movimento teve pouca expressão.

Quando o movimento monarquista começou a renascer, tinha um caráter muito diferente da própria monarquia brasileira. Segundo Marcos Napolitano, os neomonarquistas se afastaram das ideias liberais de monarquistas clássicos como Joaquim Nabuco e André Rebouças, que apoiavam uma monarquia mais constitucional, com sérias reformas, como a abolição.

“Os movimentos pós-1889, em geral, são ligados à extrema-direita, avessos à democracia, à igualdade social e jurídica, e nostálgica de uma sociedade tradicional e hierárquica. O maior exemplo foi o movimento Patrianovista, que surgiu em 1928. Ele não conseguiu impor sua agenda nas lutas políticas dos anos 1930, mas expressou a idealização da monarquia dentro da tradição do pensamento autoritário brasileiro, de base católica conservadora, muito forte até hoje.”

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