Depois de receber terras na região, o alemão tentou criar uma plantação de café, mas sem o uso de escravos
Rodrigo Trespach Publicado em 04/07/2021, às 10h00
Há quase dois séculos, ele recebeu ordens secretas: às vésperas da Independência, deveria percorrer a Alemanha em busca de colonos e soldados para um projeto de imigração elaborado por José Bonifácio para o Brasil.
Georg Anton von Schaeffer (1779-1836) foi o principal responsável pela vinda das primeiras levas de imigrantes alemães para o país, em um processo patrocinado pelo governo em larga escala. Nascido na Baviera, Schaeffer estudou farmacologia em Würzburg e concluiu o doutorado em medicina em Göttingen, na Alemanha.
Esteve na Turquia e viveu quatro anos na Rússia, onde prestou serviços ao tsar Alexandre I, que lhe concedeu o título de barão — ele nunca mais deixou de usar o “von”, preposição indicativa de nobreza. Em 1813, partiu em viagem exploratória ao redor do mundo. Esteve no Alasca, na China e no Havaí, chegando ao Brasil em 1818.
Conhecedor da paixão de d. Leopoldina pela botânica, presenteou a princesa com sementes exóticas da Ásia, o que rendeu a amizade da futura imperatriz brasileira. Ligado à maçonaria, Schaeffer era articulado, inteligente, poliglota e adepto de ideias liberais. Rapidamente entendeu-se com o influente ministro de d. Pedro, José Bonifácio.
O Patriarca da Independência e o alemão não só projetariam a organização de colônias rurais-militares no Brasil como imaginaram a criação de uma nova capital para o país — o que Bonifácio proporia na Constituinte de 1823. Schaeffer deu até as coordenadas: o local exato, onde quase um século e meio mais tarde Brasília seria construída.
Em 1821, Schaeffer recebeu terras nas proximidades do rio Peruípe, em Viçosa, no sul da Bahia. Ali, com algumas famílias alemãs, fundou a colônia de Frankental e tentou plantar café sem a utilização da mão de obra escrava.
Por pouco tempo, no ano seguinte, em agosto, antes mesmo da Independência, ele recebeu de Bonifácio a missão de encontrar interessados em vir ao Brasil. O objetivo era criar colônias que desenvolvessem o sistema de minifúndio e o artesanato, além de servir de fonte de abastecimento de homens para o Exército.
Na Europa, Schaeffer se aproveitou de uma rede de agentes de emigração já existente desde o século 18. A partir de 1823, navios com imigrantes começaram a deixar portos europeus com destino ao Rio de Janeiro. Da capital brasileira, as primeiras levas de colonos foram enviadas para Nova Friburgo, em maio de 1824. Mais tarde, em julho, os imigrantes passaram a ser direcionados para São Leopoldo, no Rio Grande do Sul.
Os solteiros, trazidos como soldados mercenários, permaneciam no Rio de Janeiro, onde assentariam praça em um dos quatro batalhões compostos por estrangeiros do Exército imperial. O projeto, financiado pelo Estado, seguiria até 1830, quando uma lei imperial proibiu os gastos com a imigração. Mas Schaeffer se viu em apuros bem antes disso.
Com a saída de Bonifácio do governo (e a morte de d. Leopoldina em 1826), o alemão perdeu seu principal aliado. Já não havia direção nem organização em meio à conturbada política brasileira do Primeiro Reinado. Eram tantas as ordens e contraordens que d. Pedro I chegou a lhe enviar uma carta nos seguintes termos: “Eu lhe ordeno que em lugar de colonos casados mande mais 3 mil solteiros para soldados.
O ministro dos Negócios Estrangeiros lhe mandou dizer que não mandasse mais, mas eu quero que os mande”. Mais tarde, o marquês de Barbacena reconheceria que poucos homens poderiam ter enviado ao Brasil cerca de 8 mil alemães a custos tão módicos em tão pouco espaço de tempo quanto Schaeffer.
Enviado a Europa antes que os principais países europeus reconhecessem a Independência e agindo em segredo, como determinavam as ordens de Bonifácio, teve enormes dificuldades em cumprir os planos brasileiros.
Inclusive de se defender dos ataques que lhe eram dirigidos, principalmente de oficiais desiludidos com as promessas feitas na Alemanha e não cumpridas no Brasil, relativas a soldos e postos — foram eles os responsáveis por criar a imagem de que Schaeffer não passava de um aventureiro interesseiro, um bêbado contumaz dado a orgias.
Considerado um agitador pelos europeus que tentavam frear as ideias liberais, foi processado pelo “tráfico de escravos” e a “venda de almas”. Um antigo desafeto o chamou de “espécie de traficante de carne humana”.
Perseguido e sem apoio governamental, Schaeffer encerrou sua atuação na Europa e retornou ao Brasil. Permaneceu pouco tempo em Frankental, voltando à Alemanha em 1829, de onde solicitou ao imperador, por carta, que não o abandonasse aos inimigos que havia criado em defesa do Império. Afastado do círculo do poder, Schaeffer faleceu um tempo depois, na Bahia, aos 57 anos.
Rodrigo Trespach é historiador e escritor, autor de 14 livros, ventre eles o clássico "1824", publicado pela editora Leya Brasil.
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