A árdua realidade de fome e agonia dos combatentes que seguiam o imperador pela Europa
Fabiano Onça Publicado em 15/01/2021, às 10h00
Quem ia para a guerra com Napoleão ou com um de seus oficiais sofria. Porém os que venciam com eles ganhavam condecorações e até conseguiam ser promovidos. Por isso, o imperador tinha um exército que o adorava. Mesmo que no cotidiano no campo de batalha, como se pode imaginar, fosse duríssimo e cheio de privações.
Numa de suas tiradas, Napoleão disse: "Um exército marcha sobre seu estômago". A frase pode não ser muito romântica, mas é de uma praticidade desconcertante. Afinal, como alimentar 100 mil homens todos os dias? Como vesti-los? Como tratar os doentes e feridos? Como dar o mínimo de ordem a essa multidão?
O próprio Bonaparte tinha uma solução radical para o problema da fome. Ao contrário dos exércitos tradicionais, suas tropas levavam poucas carroças de suprimentos, ganhando rapidez e mobilidade. Os soldados, é claro, pagavam o pato e tinham que se virar, pilhando o território por onde quer que passassem.
Jakob Walter, um soldado de infantaria alemão, recrutado em 1806 entre os homens do Reino de Württemburg, confirma, numa anotação em seu diário: "Marchamos durante meses por terras da Polônia e da Rússia. A fome grassava entre os soldados e logo começamos a roubar em todas as vilas pelas quais passávamos".
Um soldado da infantaria napoleônica carregava quase 30 kg de peso, entre munições, mantimentos, roupas e apetrechos. A marcha ainda era prejudicada pelos uniformes, geralmente desconfortáveis e com poucas opções de tamanho. As botas, após algumas semanas de uso, ficavam em péssimo estado. "Era comum o soldado caminhar até 50 km num único dia", aponta o historiador napoleônico Donald Howard, da Florida State University, nos EUA. "Eles andavam por quatro horas, descansavam e, então, voltavam ao percurso por mais quatro horas.", conta.
Algumas vezes, não só era necessário marchar, como ainda lutar no mesmo dia. Contudo, o grande problema para os soldados era cair ferido. Quem não tinha condições de ir mancando até um hospital de campanha ficava dias no campo de batalha esperando por socorro — e muitas vezes terminava degolado pelos ladrões que pilhavam os cadáveres.
Se conseguisse chegar a um posto de auxílio, a situação não era melhor. Na maioria dos casos, o membro ferido era amputado. E apenas um terço dos homens sobrevivia a isso, já que o processo era realizado muitas vezes por pessoas sem nenhuma qualificação médica.
Pelo menos havia compensações para os que sobreviviam aos campos de batalha. Napoleão, guiado pelos ideais da revolução, promovia seus soldados pelo mérito em combate. "Ele instituiu a cultura das medalhas, a começar pela cobiçada Legião de Honra", ressalta o professor Howard. "Certa vez, perguntou para o comandante de uma unidade quem era seu mais bravo homem. Napoleão então chegou à frente do soldado, tirou a medalha da Legião de Honra de sua própria lapela e a colocou no peito do recruta. Imagine o quanto isso foi comentado entre tropas."
Os mais rápidos
Apenas para comparar, o exército francês marchava a 120 passos por minuto, enquanto o britânico caminhava a apenas 75 passos. Até hoje, somente o exército atual dos EUA marcha na mesma velocidade dos franceses.
Os mais resistentes
Disenteria, tifo e febres eram as principais causas de morte nos exércitos da época. Os ingleses, por exemplo, perderam quase 12 mil soldados na Espanha, entre 1812 e 1814, em conseqüência dessas enfermidades.
Os mais unidos
A convivência estimulava a criação de gírias. Le brutal (a brutal) era o apelido da artilharia. Veteranos eram dur à cuire (duro de cozinhar) e vielle moustache (bigode velho). A aguardente era le sauve-la-vie (a salva-vidas) e Napoleão, claro, era chamado, entre outros apelidos, de le Patron (o patrão).
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