No século 19, o movimento republicano precisava de um símbolo e de um herói
Diego Antonelli Publicado em 21/05/2022, às 01h00 - Atualizado em 21/04/2024, às 15h47
O mito de que Tiradentes lutou pela independência do Brasil e pela implantação da República no Brasil, começou a ser propagada ainda no século 19 pelo movimento republicano, que precisava de um símbolo e de um herói.
Foi nessa época que surgiu a figura fantasiosa de Tiradentes com barbas e cabelos longos – explicitado no quadro pintado por Pedro Américo em 1893.
“Não há qualquer registro histórico sobre como era o rosto dele. Mas, ao considerar que ele ficou preso, é natural pensar que Joaquim foi morto com a barbas e os cabelos raspados, como é comum nas prisões”, explica Álvaro Antunes, historiador e docente
do curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto.
“A figura de Tiradentes que chegou até nós – barba e cabelos longos, metido numa bata branca – é uma criação fantasiosa do movimento republicano ocorrida quase cem anos depois da morte do alferes. Carecendo de um herói para sua causa, os republicanos se socorreram com Joaquim, devidamente transformado num arremedo de Jesus Cristo”, corrobora o biógrafo e jornalista Lucas Figueiredo.
Ele complementa também que, em relação ao biotipo, “o que se sabe dele é muito pouco: era branco, tinha cabelos brancos já na faixa dos 40 anos e só”. Antunes salienta que o grupo militar e oligárquico que defendia a República em meados do século 19 – culminando na Proclamação da República em 1899, buscava forjar um símbolo para fortalecer o movimento republicano no país.
Tiradentes era um militar de baixa patente que era capaz de criar uma ponte entre os militares de diferentes patentes. Além disso, associá-lo à figura de Jesus Cristo é enaltecer os valores religiosos cristãos que historicamente fazem parte da sociedade brasileira”, explica o historiador.
O nome de Tiradentes consta no Livro de Aço do Panteão da Pátria e da Liberdade, um memorial cívico que homenageia grandes personagens da história do país.
A implantação do feriado de 21 de abril, em homenagem ao Tiradentes, partiu do regime militar por meio do marechal Castelo Branco em 1965. Na mesma oportunidade, foi instituído também que Tiradentes é Patrono da Nação Brasileira. Tiradentes ainda é patrono das polícias militares e civis do Brasil.
A Conjuração Mineira foi um movimento que buscava a independência, em relação a Portugal, das capitanias da região sudeste do Brasil: Minas Gerais, Rio de Janeiro e, para alguns integrantes do movimento, São Paulo. “Era preciso ter uma saída para o mar para construir um porto a fim de permitir o comércio”, salienta o pesquisador e professor da Universidade Federal de Ouro Preto, Álvaro Antunes.
Ele afirma ainda que por mais que a cúpula do movimento defendesse que esse território independente adotasse o sistema político republicano, não havia uma definição exata de qual conceito de “república” se tratava.
“Era um movimento que se inspirou no ideal republicano, mas não definia que “república” era essa. Existiam, na época três conceitos muito presentes: a república como uma coisa pública pertencente ao povo, a república e principados italianos do período e o conceito dos Estados Unidos, que era o mais forte entre os membros do movimento”, explica o historiador.
Além disso, o movimento não defendia o fim da escravidão e, como ressalta Antunes, “não havia uma defesa da autonomia e independência de toda a nação brasileira”. Mesmo assim, foi o primeiro movimento na colônia que ousou contestar o governo português, traçou planos para romper com Lisboa e chegou a planejar a instauração do primeiro território independente na América do Sul. “Não é pouca coisa. Se não obteve sucesso em seus objetivos práticos, a Conjuração Mineira concebeu uma ideia que até hoje continua de pé. E são as ideias que movem a história”, afirma o jornalista e pesquisador Lucas Figueiredo.
A Conjuração era formada por um grupo eclético: advogados, juízes, comerciantes, fazendeiros, homens de negócios, padres e membros de sociedades secretas e irmandades leigas. Foi em 1788 que o projeto de autonomia regional “foi formalmente debatido em reuniões locais”, esclarecem Lilia Schwarcz e Heloisa Starling.
Várias motivações econômicas e políticas contribuíram para a Conjuração Mineira ser concebida. Uma delas diz respeito à cobrança excessiva de tributos por parte da Metrópole lusitana. Durante o período colonial, o Brasil gerava muitos lucros à Coroa portuguesa por meio da exploração do ouro mineiro. Além disso, ainda eram cobrados altos impostos da população: somente o “quinto” equivalia a cerca de 20% do total de ouro extraído.
Para piorar, em 1788, com a extração do ouro em queda, o governo português quis implantar a chamada “derrama”, um imposto extra para atingir a cota anual de 100 arrobas (que equivale a 1,5 mil quilos) de ouro estipulada para a Coroa. Era o estopim que faltava para a eclosão da Conjuração Mineira.
Em fevereiro do ano seguinte, a derrama foi suspensa e o delator Joaquim Silvério dos Reis foi o primeiro a denunciar o movimento. “Em maio, os acusados, um a um, começaram a ser presos e enviados para o Rio”, escreve o pesquisador Eduardo Bueno na obra Brasil: Uma História.
Enquanto o carrasco colocava a corda ao redor do pescoço de Tiradentes para executar a pena de morte, os demais membros da Conjuração Mineira permaneceriam vivos. Houve, sim, um total de 11 condenados à morte pelo crime de traição ao rei. Mas foram perdoados e exilados na África.
Os réus eclesiásticos, por exemplo, foram condenados à prisão perpétua em Portugal. O único condenado, no entanto, que teve a pena de morte mantida foi Tiradentes. “Muitos condenados tiveram comutação das penas. Muitos outros negaram o envolvimento no movimento e minimizaram seus papéis dentro da Conjuração, como foi o caso do escritor Tomás Antônio Gonzaga, que era um grande advogado na época. Outros, ainda, tiveram um respaldo social e econômico que pesou na decisão da Coroa”, revela Álvaro Antunes, professor do curso de História da Universidade Federal de Ouro Preto.
Vale mencionar que durante a prisão, ainda em território mineiro, o poeta e advogado Cláudio Manoel da Costa foi encontrado morto em um cubículo transformado em cela em um sobrado onde hoje é a Casa dos Contos, em Ouro Preto. A versão oficial foi suicídio – mas a causa da morte ainda não é consenso entre os historiadores.
“Em relação aos demais membros da cúpula da Conjuração Mineira, Tiradentes era o menos graduado do ponto de vista de posição social econômica. Era um militar do baixo oficial ato em meio a desembargadores, advogados, grandes fazendeiros,
eclesiásticos e abastados homens de negócios”, enfatiza Lucas Figueiredo.
Dessa forma, Joaquim era – daqueles que faziam parte do movimento – de origem mais humilde, o que pesou na decisão. Soma-se a esse fato que Tiradentes foi o único integrante da Inconfidência que saiu às ruas fazendo propaganda contra o regime português.
Resultado: durante o julgamento, quem detinha mais posse conseguiu escapar da pena máxima, trocando-a por prisão ou exílio. Além disso, Tiradentes assumiu perante o júri a sua participação no movimento.
“Ele era mais explícito nas suas falas. Nos autos dos processos, até um pedinte e prostitutas confirmavam que sabiam da Conjuração”, comenta Antunes. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloisa Starling escrevem na obra Brasil: Uma Biografia Que Tiradentes chegou a confessar, por exemplo, “que escolhia com cuidado as frases com que devia aliciar novos partidários, conforme percebia as características e os interesses de seu interlocutor”.
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