Tema de novo filme bíblico da Netflix, a vida de Santa Maria, mãe de Jesus, é repleta de simbolismos, segredos e mistérios
Felipe Sales Gomes, sob supervisão de Thiago Lincolins Publicado em 05/12/2024, às 19h00 - Atualizado em 10/12/2024, às 20h16
Com a chegada do Natal cada vez mais próxima, este tende a ser um período de exercício do amor ao próximo e da empatia. Nesse contexto, muitos fiéis costumam a refletir durante as festas de fim de ano sobre o nascimento de Jesus Cristo, sua obra e legado para a fé cristã.
Aproveitando esse gancho que virou tradição ao redor do mundo, a Netflix lançou na última semana o filme 'Virgem Maria'. Com direção de D.J. Caruso e um elenco de peso, que conta com o aclamado veterano Anthony Hopkins, a produção resgata a história da figura que desperta fascínio ao redor do mundo.
Recentemente, a redação de Aventuras na História entrevistou o jornalista Rodrigo Alvarez, autor do livro 'Maria', uma biografia sobre a mãe de Cristo.
Confira a seguir cinco coisas que você precisa saber sobre Maria antes de assistir ao filme da Netflix.
"A infância de Maria é um mistério e permanecerá um mistério. Tudo o que temos são escritos que começam a surgir a partir da segunda metade do Século II com uma tentativa cristã de preencher as lacunas biográficas dos evangelhos". Com essa frase, Alvarez destaca da falta de registros oficiais que retratam os primeiros anos da figura histórica.
A falta de conhecimento sobre a infância não é um segredo que afeta só Maria, como também o próprio Jesus. Não há nos evangelhos canônicos (livros de Mateus, Marcos, Lucas e João) qualquer menção sobre o que aconteceu na juventude de Cristo.
A conversa que tenho com meus leitores e também com os alunos dos meus cursos sobre a infância de Maria trata daquilo que a tradição ensinou e de como isso foi importante em determinado tempo, considerando as implicações religiosas de criações posteriores", acrescenta Alvarez.
O jornalista também chama atenção para a necessidade em diferenciar registros históricos de narrativas religiosas:
"Uma história em que Maria teria ido viver no Templo de Jerusalém onde era alimentada por anjos: É religioso, entrou para a tradição, mas não é histórico. Aliás, como não são históricos também os nomes pelos quais chamamos os pais de Maria. Ana e Joaquim foram nomes que só apareceram mais de 100 anos depois da Crucificação".
Um dos pilares da liturgia cristã que envolve a Virgem Maria diz respeito, justamente, à sua virgindade, considerando que a santa concebeu Jesus sem relações sexuais.
Na análise de Alvarez, ele enfatiza que a questão da virgindade de Maria é algo há muito discutido pela teologia cristã:
"Esse é um debate que surge dentro do cristianismo já no século II, e vai ser uma das primeiras vezes em que Maria vai estar no centro de uma discussão que criará rachaduras na religião. Tertuliano, por exemplo, dirá que não acha possível Maria ter continuado virgem depois do nascimento de Jesus, pois isso, inclusive, poderia suscitar críticas difíceis de serem rebatidas".
"Tertuliano disse: "Embora fosse virgem quando concebeu, ela era uma esposa quando deu à luz seu filho. Então, como esposa, ela estava sob a própria lei da 'abertura do útero'”. E nós sabemos que uma mulher judia da Galileia estava obrigada a cumprir a lei judaica que, desde o Gênesis, ensina que é preciso povoar o mundo de Deus", complementa o escritor.
Na versão judaica do livro de Gênesis, o primeiro da Bíblia, há já no capítulo de abertura uma passagem em que Deus teria instituído a reprodução da humanidade: "Frutifiquem e multipliquem-se! Encham a terra!".
Alvarez conclui: "Se essa era a vontade de Deus, a discussão sobre Maria ter ou não permanecido virgem vai ser muito complicada dentro da Igreja e só mais tarde se decidirá por afirmar a virgindade perpétua".
Uma teoria que envolve a maternidade de Maria diz respeito à possibilidade de Jesus ter tido irmãos. Sobre isso, o jornalista é categórico ao afirmar: "A realidade é que o questionamento à ideia de que Jesus teve irmãos é que é um fato posterior, algo que em nada preocupou o apóstolo Paulo ou qualquer um dos quatro evangelistas. Portanto, somos levados a pensar que, sim, Jesus deve ter tido irmãos".
Entretanto, Alvarez ressalta que esta é uma discussão muito delicada e complexa: "Se eram filhos de Maria, não nos informaram. Se eram filhos “apenas” de José, isso informaria que Tiago, José, Judas e Simão ou não eram irmãos biológicos de Jesus, ou que Jesus era filho biológico de José – e essas duas afirmações teriam implicações muito relevantes".
O escritor conclui: "Chegou a surgir uma teoria de que esses irmãos eram primos, pois a palavra grega usada nos manuscritos 'adelphos' permitiria essa conotação, mas essa tese precisa de muito esforço para parecer verdadeira, e cai rapidamente quando vemos que os evangelistas não nos disseram que João Batista era “adelphos” de Jesus".
Ao falar sobre a herança da Virgem Maria para a tradição cristã, Rodrigo ressalta que não existe uma visão homogênea e canônica sobre a figura na teologia: "Maria é acima de tudo o que nós pensamos sobre ela. Como falou muito pouco nos evangelhos, não podemos dizer que existe um pensamento mariano que tenha influenciado a humanidade".
Entretanto, o autor não deixa de mencionar a importância simbólica e religiosa que a figura de Maria carrega para o Cristianismo:
Ao longo da história cristã, a função religiosa de Maria foi ganhando cada vez mais importância. Irineu, por exemplo, um dos maiores pensadores cristãos, deu a Maria o papel de redentora do pecado de Eva, ao entender que veio redimir a humanidade do erro da assim chamada Primeira Mulher", conclui.
A Netflix enfrentou uma onda de críticas nas redes sociais devido à escolha de atores israelenses para os papéis principais no filme, que tem a israelita Noa Cohen no papel principal.
De acordo com informações do IMDB, o elenco conta também com outros atores israelenses, incluindo Ido Tako como José, Ori Pfeffer, Mili Avital, Keren Tzur e Hilla Vidor.
"A Netflix achou que seria uma boa ideia escalar uma israelense para representar a mãe Maria, como se os israelenses não estivessem bombardeando a terra natal do próprio Jesus e também todas as igrejas", escreveu um internauta, conforme repercutido pelo Middle East Eye.