Parece bobagem, mas o surgimento do zero revolucionou o mundo
Marcus Lopes Publicado em 26/10/2018, às 12h00
Até a Idade Média, ninguém acreditava que “nada” podia ser um número. E isso gerou várias esquisitices que duram ainda hoje. Tradicionalmente, o dia começa às 12 horas e daí passa para 1 (o relógio de 24 horas, com a hora zero, surgiu só no século 19). Também não existe o ano zero no nosso Calendário Gregoriano, que passa de 1 a.C. para 1. d.C. Isso que quer dizer que, entre o ano 1 e o ano 100, existem apenas 99 anos. Por isso, os séculos começam no ano 1, não 0 – na passagem de 1999 para 2000, as pessoas apenas celebraram o último ano do século 20. Mais esquisito ainda: se o cálculo original do ano do nascimento de Jesus estivesse correto, ele teria nascido no ano 1 antes de Cristo. (Mas está errado: o monge Dionísio Exíguo, que calculou o ano de nascimento de Jesus no século 6, se embananou nas contas – o messias provavelmente nasceu entre 7 e 4 a.C.) Esse é apenas o lado superficial.
Sem zero, não havia o sistema numérico posicional, nem a ideia de números decimais ou negativos, certos tipos de equações, plano cartesiano ou cálculo. E sem isso não haveria como surgir a física newtoniana – nem portanto praticamente todo o mundo moderno.
Antes do zero, não existia contabilidade, a ideia que um balanço de gastos e entradas tem que fechar em zero. A matemática era mais primitiva. Ela podia calcular coisas como áreas, distâncias, lucros e prejuízos, mas não havia como prever como um arco sustenta o peso da construção, ou como um projétil de catapulta, flecha ou bala se move pelo ar. Tudo era feito na base da tentativa e erro – e, no processo de aprender, catedrais e castelos caíam durante a construção.
O zero era impensável para os antigos. A matemática surgiu contando contas concretas e achando proporções em objetos reais. Para Pitágoras, o número 1 tinha um valor sagrado, representando a harmonia e unidade do universo. Como o nada poderia ser alguma coisa?
Os numerais gregos – assim como os romanos – não tinham casas, eram sequências de letras representando somas de números inteiros. Era tão complicado que livros matemáticos escreviam muitas vezes os números por extenso. Na prática, contas eram feitas com o ábaco, não no papel.
O zero surgiu da ideia de representar números pela posição – primeiro em povos mesopotâmicos, cujo sistema se baseava em 60, não 10, e colocavam um espaço vazio entre as casas.
Por volta do século 1, astrônomos greco-romanos, como Ptolomeu, usavam o sistema mesopotâmico, com uma bolinha para representar contas que davam em nada – mas seu uso acabou perdido. Isto é, não deu nada. O zero surgiu entre os indianos, por volta do ano 650, chegando à Europa com os árabes, no século 13. O sistema “arábico” foi logo adotado por comerciantes, ainda que os matemáticos tenham continuado a torcer o nariz – com exceções, como o italiano Fibonacci – até o século 16.
Quanto é a raiz quadrada de -1? Cada vez que os matemáticos trombavam com essa conta, ficavam coçando a cabeça, sem resposta. Nenhum número real pode ser multiplicado por ele próprio e dar -1. A solução era criar uma unidade fora do conjunto de números conhecidos – o i, a unidade imaginária. A ideia surgiu com o italiano Girolamo Cardano, no século 16.
O nome “imaginário” foi dado por René Descartes – era uma ofensa aos matemáticos que consideravam esses números aceitáveis, mostrando o mesmo tipo de conservadorismo dos matemáticos que rejeitavam o zero. O fato é que os números imaginários – e complexos, formados pela mistura de números reais e imaginários – existem, ainda que ninguém tenha que pagar uma conta no mercado de 79 + 9i reais. Eles aparecem o tempo inteiro em biologia, física, química, engenharia elétrica e mesmo economia.
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