Warramaba virgo são uma das poucas espécies capazes de se reproduzir por partenogênese
Fabio Previdelli | @fabioprevidelli_ Publicado em 11/06/2022, às 07h00
No final do ano passado, a equipe do site do Aventuras na História repercutiu a descoberta de que condores fêmeas foram capazes de procriar sem o auxílio de machos. O estudo, publicado na revista científica Journal of Heredity da American Genetic Association, gerou enorme repercussão e desconfiança, afinal, é da natureza humana entender o sexo como prática vital para a perpetuação da vida.
Acontece que a partenogênese — onde um embrião se desenvolve sem que o óvulo seja fecundado — pode até parecer algo utópico, mas é extremamente comum entre a espécie de gafanhotos Warramaba virgo, que desistiu da reprodução sexual há cerca de 250 mil anos e ainda continua existindo, sem ao menos estar em risco de extinção. Mas como isso é possível?
Detalhes sobre a vida dos gafanhotos Warramaba virgo foram descritos por dois profissionais da Universidade de Melbourne — Michael Kearney, professor associado em Ecofisiologia e Biologia Evolutiva, e Ary Hoffmann, professor na Escola de Biociências e no Instituto Bio21 — em artigo para o The Conversation.
A dupla estuda a vida dessa espécie há 18 anos, com o intuito de “entender como eles desenvolveram uma reprodução assexual e como essa mudança afetou a habilidade deles de sobreviver e se reproduzir”. Um artigo sobre os gafanhotos foi divulgado recentemente na Science.
Os especialistas detalham que a espécie surgiu há cerca de 250 mil anos por meio do cruzamento de duas espécies diferentes de gafanhotos — ambas com reproduções sexuais distintas — e que o abandono dos atos sexuais não afetou em absolutamente nada os gafanhotos Warramaba virgo.
Segundo relatam, as espécies partenogenéticas sempre pareceram um enorme quebra-cabeças para diversos pesquisadores. Mas a condição é facilmente explicada: “Isso ocorre porque o sexo impõe grandes custos à reprodução animal.”
Primeiro, há o ‘custo duplo do sexo’: metade dos descendentes de uma criatura [os machos] são incapazes de produzir seus próprios descendentes sozinhos, então eles são frequentemente vistos como ‘desperdício evolutivo’”, apontam.
Outro ponto crucial para o entendimento da partenogenética é que achar um parceiro ‘ideal’ tem um grande custo energético aos animais. Além disso, como essa busca acontece em períodos de acasalamento, muitas espécies se tornam extremamente vulneráveis a ataques de seus predadores. Portanto, colocar um fim a busca por machos também encerra uma grande dor de cabeça.
“Então, por que o sexo existe?”, questionam Michael e Ary. “A principal razão, pensam os biólogos [de maneira geral], está relacionada à mistura ou ‘recombinação’ de genes como consequência do sexo”.
“Isso pode acelerar a taxa de adaptação ao reunir combinações favoráveis de genes e também ajuda a eliminar uma população de combinações de mutações ruins”, completam os pesquisadores.
Mas, visto que a reprodução partenogenética não possui esses processos, isso significa que a espécie dos gafanhotos Warramaba virgo têm genes praticamente idênticos, o que lhes tornam menos capazes de se adaptarem ao ambiente em mutação, além de poderem acumular mutações ruins que reduzem sua aptidão. Mas com eles ainda sobrevivem? Por que não foram extintos rapidamente?
O Warramaba virgo foi estudado pela primeira vez há mais de 60 anos, em 1962, pelo biólogo evolutivo e geneticista Michael White. Na ocasião, seu filho, Nicholas White, notou que apenas fêmeas de uma espécie de gafanhoto eram encontradas perto cidade de Hillston, em Nova Gales do Sul, na Austrália.
A mesma espécie, porém, também estava presente na Austrália Ocidental, a mais de 2 mil quilômetros de distância. Eles foram localizados junto de outra espécie sexual (que recebeu o nome de W. whitei).
Constatou-se que W. virgo tem uma origem híbrida: um cruzamento entre W. whitei e outra espécie, W. flavolineata, ocorrido há muitos milhares de anos”, dizem.
“Uma espécie partenogenética pode ter uma vantagem se sua diversidade genética for aumentada por repetidas hibridizações entre as duas espécies-mãe, produzindo um exército de clones diferentes. Combinar os genomas das duas espécies também pode tornar os partenogênios mais vigorosos”, continuam os especialistas.
Segundo explicam, esse tal de “vigor híbrido” também acontece em alguns outros animais, usando as mulas como exemplo. Geradas a partir do cruzamento entre cavalos e asnos, a mula possui muito mais resistência e força que sua espécie-mãe.
Os docentes da Universidade Melbourne, entretanto, apontam que os Warramaba virgo não geraram ‘clones’ com habilidades especiais se comparado com seus parentes sexuados e tampouco um híbrido de alto nível de vigor. Se por um lado, a partenogênese não possui nenhum benefício, ela também não tem nenhuma desvantagem.
“Examinamos mais de 1.500 marcadores genéticos em W. virgo e não encontramos quase nenhuma variação nos partenogênios em comparação com as espécies-mãe”, apontam.
Isso mostrou claramente que apenas um cruzamento híbrido, entre W. white and W. flavolineata, foi o responsável por criar W.virgo, em primeiro lugar. Baseado nos números e na natureza das mutações que ocorreram em W.virgo, nós estimamos que o acasalamento ocorreu por volta de 250 mil anos atrás”, explicam.
Michael Kearney e Ary Hoffmann também afirmam que o partenogênio “não tinha vantagem sobre sua espécie-mãe em uma série de características fisiológicas, incluindo tolerância ao calor e ao frio, taxa de metabolismo, quantos ovos eles põem, o tamanho de seus ovos, quanto tempo levam para amadurecer vivem”.
Por outro lado, os gafanhotos Warramaba virgo produzem, naturalmente, duas vezes mais descendentes femininos do que as espécies que se reproduzem por meio do sexo. “Ele manteve sua dupla vantagem sobre as espécies sexuadas, apesar de 250 mil anos para que as mutações de baixa aptidão se acumulassem nesta espécie”.
“A conclusão de nossa pesquisa, então, é que W. virgo se tornou partenogênica, mas sem custos. Também se espalhou com sucesso do lado oeste do país para o lado leste, ao contrário de suas espécies-mãe”, completam.
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