Incidente em Antares enfrentou a ditadura com uma campanha provocadora
Sérgio Amaral Silva Publicado em 01/12/2005, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36
Em 1971, no auge da repressão imposta pelo regime militar, um livro provocava – sua campanha de lançamento destacava, em cartazes, a mesma frase da tarja que envolvia cada volume: “Num país totalitário este livro não seria publicado”. Fosse para não assumir publicamente o autoritarismo, fosse por não perceber o sentido político da ficção, a censura deixou o livro circular. A obra era Incidente em Antares. Seu autor, Erico Verissimo.
Nascido em 17 de dezembro de 1905 – e, portanto, tendo seu centenário comemorado este ano –, Verissimo é considerado um dos mais importantes escritores brasileiros do século 20. Uma de suas obras mais conhecidas, O Tempo e o Vento, consumiu 13 anos para ser escrita, entre 1948 e 1961. Nas 2 mil páginas da trilogia, o autor narra a saga de 200 anos de pioneiros do Rio Grande do Sul.
Escrito quando Verissimo estava no domínio de sua maturidade criativa, Incidente..., em sua primeira parte, lembra O Tempo e o Vento, ao investigar a origem da rivalidade entre duas famílias da fictícia cidade de Antares, os Campolargo e os Vacariano. Misturando com habilidade história e ficção, Verissimo conta a participação dos adversários, sempre em lados contrários, nos principais episódios da política brasileira desde o fim do Império – quando uns são monarquistas, os outros são republicanos; quando uns apóiam Vargas, os outros lhe fazem oposição. A rixa tem uma trégua no início dos anos 1960: os rivais se unem contra operários que reivindicam seus direitos.
Na segunda parte, o tal incidente: os coveiros entram em greve e os mortos insepultos trocam o cemitério pela praça central. Ali, passam a julgar os vivos – mostrando que muitos estavam moralmente mortos.
Na ousada obra, os defuntos criados por Verissimo, mesmo em plena ditadura, deram seus recados, numa alegoria em que saiu vencedora a liberdade.
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