Antropóloga pode ter tirado os incas da Pré-História para a História
Quipus são fascinantes objetos que os incas faziam, espécie de guirlanda de cordinhas coloridas e entrelaçadas, de fibras vegetais ou animais, que podiam ser centenas. Eles são conhecidos pelo mundo ocidental desde a época da conquista de Francisco Pizarro, a partir de 1532. Ainda que os relatos da época falassem em histórias escritas em quipus, o consenso até hoje era que serviam para armazenar apenas números, como a contagem de lhamas numa transação comercial. Isto é, os incas não tinham escrita e viviam, portanto, na Pré-História. Tudo o que podemos saber deles vem de arqueologia e relatos dos sobreviventes da conquista.
Essa introdução toda é para dar uma ideia do enorme impacto que pode ter o estudo recém-publicado da antropóloga Sabine Hyland, da Universidade de Saint Andrews (Escócia), e divulgado primeiro pela National Geographic. Se suas ideias forem aceitas, ela simplesmente tirou os incas da pré-História para a História na forma como os vemos. E abriu caminho para sabermos muito mais sobre eles.
Hyland recebeu dois quipus nunca antes vistos, guardados por séculos pelos moradores da vila de San Juan de La Collata, nos Andes peruanos. Datados do século 18, eles estavam guardados numa caixa de madeira junto com várias cartas da época. Ainda que não soubessem como lê-los, os anciãos da vila garantiram à antropóloga que os quipus continham histórias.
"Encontramos uma série de combinações de cores entre as cordinhas", diz a antropóloga. Segundo ela, as 14 cores usadas permitiam até 95 padrões diferentes, que poderiam representar sílabas ou palavras inteiras - como o alfabeto maia. "É um número dentro do que se espera para um alfabeto logossilábico"
Mas o alfabeto inca pode ser ainda muito mais complexo. As fibras são formadas por pelos de vários animais: vicunha, alpaca, lhama, cervo e vizcacha (um roedor). E isso é uma razão para o achado só vir agora: quipus de fibras vegetais perdem as cores com o passar dos anos. Sendo feitas assim as cordinhas, além da cor, a origem da fibra e a direção na qual foram tecidas também podem conter informações. Para ler um quipu, é preciso não só vê-lo, como tateá-lo com as mãos.
Não é (ainda) a Pedra de Rosetta para os incas. A antropóloga não traduziu os quipus - um trabalho que pode levar décadas, como foram necessárias para entender o alfabeto maia. Ainda assim, "os quipus de Collata são os primeiros quipus identificados de forma confiável pelos descendentes de seus criadores como epístolas narrativas", afirma Hyland.
Além dessa questão de decifrá-los, há outro possível balde de água fria: como eles foram feitos no século 18, podem ser um tipo mais avançado de quipu, inventado após o contato com o alfabeto latino dos espanhóis. Incas dessa época usavam quipus para passar mensagens secretas em suas revoltas contra o domínio espanhol. Essa é a teoria levantada pelo Antropólogo Gary Urthon, da Universidade de Harvard, para a National Geographic. Urthon, porém, é otimista em acreditar que computadores nos ajudarão a decifrá-los.