Sex Pistols, a banda mais odiada pelos punks que se consideram sérios - Wikimedia Commons
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Sex Pistols no Brasil: A viagem que acabou com a banda

Com uma viagem ao Rio e o encontro com o fugitivo Ronald Biggs, terminava a “grande mutreta do rock 'n' roll”

Bianca Borges Publicado em 13/07/2019, às 09h00 - Atualizado em 26/08/2022, às 11h00

Em janeiro de 1978, os Sex Pistols, a banda mais odiada pelos punks que se consideram sérios — e também responsável por muitos deles terem ouvido falar em punk —, vinha morrer na praia. O vocalista Johnny Rotten, dono da gargalhada demoníaca ouvida no início de Anarchy in the U.K. (lançado em 26 de novembro de 1976), e o baixista Sid Vicious, a encarnação do (que a imprensa achava ser o) espírito punk, resolveram deixar o grupo.

Dias após um show para mais de 5 mil pessoas em San Francisco, na Califórnia, durante a turnê da banda pelos Estados Unidos, os músicos, que já viviam uma crise de relacionamento, perceberam que estavam sendo devorados pelo mainstream.

Exatamente como queria seu produtor e marqueteiro Malcom McLaren. Em entrevista ao jornal The Telegraph, em 2007, ele revelou que não imaginava as palavras empresário ou Sex Pistols mencionadas em seus obituários. Preferia algo como "o homem responsável por transformar a cultura britânica em um truque de marketing barato".

Morte ao rock

Johnny Rotten tinha outra ideia. Falaria mais tarde que o principal objetivo da formação dos Sex Pistols era acabar com o rock. Na época, o gênero era dominado por grupos de rock progressivo, cujas pretensiosas composições, ocupando um lado inteiro de um LP, se amadas por hippies trintões, não diziam nada aos rebeldes niilistas que andavam com camisetas dizendo “Eu odeio Pink Floyd”. Ou com a suástica nazista, pura e simples provocação aos próprios pais e aos hippies pacifistas. Quando os Pistols perceberam que estavam se tornando uma modinha dentro do próprio rock, eles se dispersaram.

Oficialmente, os Sex Pistols não duraram mais do que três anos. Após vários singles, seu primeiro LP havia sido lançado meses antes, em outubro. O punk pode ter sido criado nos EUA, emergindo de bandas como Iggy Pop & the Stooges, MC5 e The Dictators — cabeludos que jamais pensariam em atravessar um alfinete no nariz. Mas foi preciso um fenômeno midiático para apresentá-lo ao mundo. E mudar o que se entende por rock’n’roll para sempre.

A mutreta (gíria da época para “trapaça”) começou na SEX, a butique que vendia roupas de couro, trajes sadomasoquistas, peças fechadas por alfinetes de segurança e outras extravagâncias que faziam a cabeça dos jovens que vagabundeavam por aquele ponto da King’s Road, em Londres. E ouviam o punk americano.

O estabelecimento pertencia a Malcolm McLaren e sua namorada, a estilista Vivienne Westwood. Ele viu ali uma oportunidade de expandir os negócios. Era toda uma moda a conquistar o mundo. E muitos milhões a serem feitos. McLaren beirava os 30. Ele voltara de Nova York cheio de ideias após uma experiência fracassada como empresário dos New York Dolls, outra banda proto-punk.

A Londres de 1975 era o cenário perfeito para criar uma banda cuja atitude e aparência falassem muito mais que a sonoridade. “A molecada precisa de um senso de aventura, e o rock precisa encontrar um jeito de dar isso a eles”, afirmou ser seu plano. Essa foi a mutreta de McLaren.

Cara a cara com os Pistols

Uma impressionante mutreta. Em 1977, o repórter Charles M. Young, da revista Rolling Stone americana, esteve em Wolver Hampton, então um bairro industrial sujão londrino, para assistir a um show. A plateia fazia o pogo, invenção de Vicious — uma forma desajeitada e violenta de dançar, pulando no lugar e trombando com quem estiver por perto.

A certa altura, os fãs começavam a brigar entre si. Enquanto o som se tornava cada vez menos inteligível, o pogo ficava também mais violento. Naquela noite, o público pisoteou os fios, quebrou alto-falantes e derrubou equipamentos eletrônicos. Entre um e outro desajeitado acorde de sua guitarra desafinada de propósito, Steve Jones direcionava cuspidas para a plateia.

“O baixo de Sid Vicious é energético e sem sutileza. Ele está acordado há dois dias, e tenta tirar um cochilo entre um lick e outro. Ainda ostentando sua camiseta com a suástica, Rotten é o artista mais cativante que já vi. Ele não faz muita coisa além de rosnar curvado no palco; são os olhos que matam. Eles não perfuram, espancam. Vários roadies grandalhões se juntam aos seguranças para formar uma parede sólida em frente à banda. Rotten está oculto por ela, por isso sobe em cima [sic] de um retorno, se pendura no teto com uma mão e segura o microfone com a outra.”

Seguindo o conceito de McLaren e a impulsividade de seus jovens membros, os gestos, palavras e expressões dos integrantes dos Sex Pistols pareciam — e eram — calculados para provocar a mídia, irritar a realeza e chocar os conservadores britânicos. As letras das músicas punk eram destrinchadas e levadas ao pé da letra pelos jornais, que interpretavam o movimento como a derrocada da civilização ocidental.

Never Mind the Bollocks (Não Ligue para os Testículos, literalmente, mas mais para Não Ligue para a Merda Toda), o primeiro e único LP com a banda completa, foi lançado em outubro de 1977. E esse foi o ano em que o mundo conheceu o punk. Os singles da banda figuravam nas listas de mais tocadas das rádios britânicas. Um gerente de uma loja de discos chegou a ser preso, acusado de obscenidade, apenas por exibir a capa do álbum no estabelecimento.

Os Pistols foram banidos de diversos lugares no Reino Unido. Para driblar a proibição, chegaram a fazer uma “turnê de guerrilha”, tocando com nomes falsos. E, assim, surgiu o S.P.O.T.S., uma sigla para Sex Pistols on Tour Secretly (Sex Pistols em Turnê Secretamente). Para fugir da perseguição britânica — e, é claro, ganhar uns dólares a mais —, Malcolm McLaren bolou uma turnê da banda pelos Estados Unidos, em janeiro de 1978. Após se apresentar em Atlanta, Dallas, Tulsa e San Francisco, os Pistols implodiram.

Punk de havaianas

Ao final de janeiro, os dois remanescentes , Steve Jones e Paul Cook, com seu empresário, aportavam no Galeão. O plano era conhecer o notório ladrão do trem pagador Ronald Biggs, foragido desde o começo da década, e não extraditado porque tinha um filho brasileiro: Mike, o que ficaria famoso no Balão Mágico (algo que nem McLaren imaginaria).

Em 1963, Biggs participou de um assalto de mais de 40 milhões de libras (em valores atualizados, cerca de R$ 151 milhões) e escapou por vários países até vir dar em praias cariocas. Não era só Biggs que estava no plano. McLaren “incluiu” na viagem o criminoso de guerra nazista Martin Bormann, ex-secretário pessoal de Hitler. Interpretado por um ator, porque ele havia morrido em 1945. De novo, a provocação aos hippies e uma piada com a fama da América do Sul de abrigar nazistas. Mengele ainda estava vivo e celebrando em bares alemães em São Paulo.

Ao longo da convivência de três semanas no Rio de Janeiro, Cook, Jones e Biggs foram a desfiles das escolas de samba, cuspiram um na cara do outro e circularam sem roupa em uma ilha próxima a Paquetá. As aventuras foram registradas pelo cineasta inglês Julien Temple, no documentário forjado The Great Rock’n’Roll Swindle — A Grande Mutreta do Rock’n’Roll —, lançado em 1980, com a trilha sonora chegando no ano anterior.

Além de atuar, Biggs interpretou ao lado dos músicos em No One Is Inoccent — escrita especialmente para os Pistols —, num dos momentos mais constrangedores da película, um quase cinquentão posando de punk, que cantava exatamente como seria de esperar de alguém nesse papel. Em uma entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em sua casa em Santa Tereza, no Rio, em 1996, Biggs revelou que escreveu a música sem ironia. “Quis fazer uma música pedindo salvação para todos os perdidos, todos os vilões da História. Acho que, se você é cristão, tem que considerar a salvação para crápulas como Bormann e eu.”

O papel do famoso ladrão de trem no filme era só o começo dos planos de McLaren, que desejava que a participação de Biggs na banda fosse ainda maior. Ele teria cogitado a possibilidade de levar Biggs de volta à Inglaterra, para a gravação de um programa na TV. Para driblar as autoridades policiais, tiraria Biggs do país de helicóptero antes que pudessem capturá-lo.

Rapaz prendado

A imagem de rebeldes e subversivos dos Sex Pistols foi desfeita pelo jornalista Ezequiel Neves. Um ano antes de se tornar o produtor musical da gravadora Som Livre, ele se encontrou com Steve e Paul no show do maluco beleza Raul Seixas. O trio se encaminhou para o Castelinho, um bar de Ipanema, na zona sul da cidade. Neves descreveu os músicos como “bons meninos”, desmentindo a imagem “que a imprensa anglo-americana criou para eles”.

Depois de beber umas e outras, Paul assim teria resumido o movimento que ajudou a conceber: “Punk é apenas música de garotos e para garotos. E, para ser punk, basta tocar com prazer. Os superstars não sabem mais tocar com prazer”. A conversa no bar não se alongou muito. Paul tinha de voltar cedo para, no dia seguinte, ele mesmo lavar suas camisetas de algodão, antes de ir à praia. Ou foi a desculpa que deu.

Vendendo a mutreta

Em Swindle, McLaren descreve como ele teria criado o movimento punk e influenciado os integrantes dos Sex Pistols. Enquanto isso, Biggs, Jones e Cook se divertem nos cartões-postais da Cidade Maravilhosa. Paisagens divididas por morros e praias alternam com cenas do Cristo Redentor, do carnaval no sambódromo e — o que seria um filme de fora sobre o Brasil sem elas? — bundas rebolativas. Há também imagens de arquivo, como as de Johnny Rotten, que não quis passar nem perto da tramoia no Rio.

Também inclui trechos do projeto de 1978 que nunca foi para a frente Who Killed Bambi? (Quem Matou Bambi?) — com um roteiro, incrivelmente, feito pelo crítico de cinema celebridade Roger Ebert. Durante as gravações, a bordo de um barco, os membros da banda jogaram os equipamentos do diretor Julien Temple no mar. Como os instrumentos eram alugados, Julien precisou se resolver com os proprietários. Para garantir o pagamento, teve que permanecer no Rio após as filmagens, enquanto McLaren, Jones e Cook embarcaram de volta a Londres, com a promessa de enviar o dinheiro no dia seguinte.

Pôster norte-americano para Never Mind the Bollocks, Here's the Sex Pistols / Crédito: Wikimedia Commons

Ao longo das seis semanas de espera, Julien teve de se virar por aqui. O britânico chegou a morar de favor no bairro de Santa Tereza e aprendeu como descolar sucos de frutas grátis nas lanchonetes das esquinas da cidade. Quando finalmente pagou a dívida com o dinheiro enviado pela banda e pôde então voltar para casa, o cineasta precisou usar do jeitinho para driblar os agentes do aeroporto, que não acreditaram que o Sid Vicious impresso em sua passagem era na verdade o nome artístico do diretor Julien Temple. Os Pistols nunca mais se juntariam.

Durante as patifarias no Rio, John Lydon já montava sua próxima banda, Public Image Ltd. Sid Vicious morreria de overdose um ano após a visita ao Rio, acusado de ter matado a namorada, Nancy Spungen, em outubro. Um último álbum sairia em 1980, Flogging a Dead Horse (literalmente Chicoteando um Cavalo Morto, insitir em algo que já era), incluindo mais recortes publicados sem autorização, com uma capa ridícula, para parecer um álbum de disco music. A intenção era prejudicar a gravadora, mas foi tomado como mais uma piada de McLaren. E que vendeu um monte e foi amado pela crítica. A mutreta era boa demais.

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