Charles Yeager anos após o recorde - Divulgação
Personagem

Morre Charles Yeager, piloto que quebrou a barreira do som

Na década de 1940, voar mais rápido do que o som era um desafio e tanto. Mas o tenente americano Yeager mostrou que nada era impossível

Carlos Chernij Publicado em 08/12/2020, às 19h38 - Atualizado às 19h40

Através de uma publicação no Twitter, Victoria Yeager, esposa de Charles Yeager, confirmou a morte do general americano na Califórnia, EUA.

"É com profunda tristeza que vos informo que o amor da minha vida, o general Chuck Yeager, morreu pouco depois das 21 horas locais (5 horas de terça-feira em Portugal continental). Uma vida incrível, bem vivida, o maior piloto da América e um legado de força, aventura e patriotismo que serão lembrados para sempre", informou Victoria.

Yeager é um dos maiores pilotos de caça que atuaram na Segunda Guerra, sendo, inclusive, o primeiro a quebrar a barreira de som, um dos maiores feitos da História.

A saga de Yeager 

O silêncio do deserto sobre a base aérea californiana de Muroc rompeu-se com um forte estrondo na manhã do dia 14 de outubro de 1947. “Ei, Ridley! Tem alguma coisa errada com esse maquímetro. Parece que endoidou”.

A voz calma e arrastada que soou no rádio um instante antes do estrondo vinha do tenente Charles “Chuck” Yeager, a bordo do avião experimental X-1. “Se endoidou, a gente conserta, Chuck. Mas acho que você está vendo coisas”, respondeu Jack Ridley, mecânico de voo que acompanhava tudo a partir de um avião Boeing B-29.

Ambos sabiam que o maquímetro (instrumento que mede a velocidade do avião em relação à do som) não estava quebrado. Era apenas um código, já que as transmissões por rádio poderiam ser captadas por outras pessoas nas proximidades.

Yeager e o X-1 haviam ultrapassado a velocidade do som, tornando-se o primeiro homem a realizar um voo supersônico em linha – ou seja, sem ser durante um mergulho –, um feito considerado praticamente impossível por boa parte dos cientistas e pilotos da época.

Yeager /Crédito - Divulgação

 

O estrondo que ocorre quando um objeto se torna supersônico (conhecido em inglês como sonic boom) foi o único “viva!” que a equipe do projeto pôde dar. Na esteira do silêncio imposto a todos os avanços tecnológicos obtidos pouco depois da Segunda Guerra Mundial, a informação circulou apenas entre alguns membros das Forças Armadas dos Estados Unidos, sendo liberada para o público apenas em 1948.

A própria base de Muroc (atual Base Aérea de Edwards), onde o projeto estava sendo conduzido, era mantida tão no anonimato quanto possível. Eram apenas uns poucos galpões no meio do deserto. Mas o projeto era considerado prioritário.

A aviação havia mudado a forma de guerrear, e alemães e britânicos havia conseguido construir aviões experimentais que alcançavam cerca de 900 quilômetros por hora. Para criar uma nova geração de caças e bombardeiros, era preciso superar essa velocidade.

Não era uma tarefa fácil. Quanto mais um avião se aproxima da velocidade Mach 1 (igual à velocidade do som, que a uma altitude de 10 mil metros corresponde a mais ou menos 1 064 quilômetros por hora), mais instabilidade o piloto enfrenta.

“Isso acontece porque o fluxo do ar ao longo do avião muda drasticamente perto de Mach 1, e o avião começa a comprimir o ar que está a sua frente”, explica o engenheiro Steve Justice, gerente de exploração e desenvolvimento de conceitos do laboratório Skunk Works, da Lockheed Martin – onde foram projetados alguns dos aviões mais inovadores de suas épocas, como os atuais SR-71 Blackbird e F-117 e o veterano espião U-2. “Os aviões da década de 1940 não estavam preparados para lidar com isso, e suas estruturas de controle e estabilidade perdiam muito da sua eficiência. Vários pilotos dessa época descobriram isso durante mergulhos, e diversos deles pagaram com a própria vida.”

Foi assim que nasceu a expressão “barreira do som”. A partir de Mach 0.80 até Mach 1 – a chamada zona transônica –, esses efeitos tornam-se cada vez piores. Os otimistas supunham que, após ultrapassar a velocidade do som, os controles voltariam a se tornar estáveis.

Já os pessimistas acreditavam que Mach 1 era uma marca instransponível. Havia quem defendesse que a força da gravidade que age no avião aumentaria até o ponto de implodir a aeronave. Mas americanos e britânicos estavam decididos: se houvesse alguma coisa, além da barreira do som, eles iriam chegar lá.

Propulsão

Nos dois lados do Atlântico, um avião estava sendo especialmente projetado para ultrapassar Mach 1. Os britânicos começaram ainda durante a Segunda Guerra, em 1942, encarregando a Miles Aircraft.

A empresa começou a trabalhar no M.52, que teria potência para atingir 1,6 mil quilômetros por hora. Surgia aí o primeiro grande problema: o sistema de propulsão. “As turbinas ainda eram novidade na época e conseguiam gerar um empuxo equivalente a apenas o dobro do seu peso”, diz Justice. “As dos caças modernos ultrapassam a proporção de 10 para 1. O jeito foi partir para um avião-foguete.”

O nome já diz tudo. Esses aviões experimentais eram basicamente uma cabine colocada na ponta de um foguete pilotável com asas. Como não eram capazes de levantar voo sozinhos, precisavam ser levados por outros aviões maiores até uma determinada altitude para, então, dar a partida. O combustível durava um ou dois minutos, mas a aceleração era formidável.

O próximo problema era, literalmente, controlar o rojão. “Os aerofólios e flaps precisaram ser redesenhados e tornaram-se mais finos e bem mais rápidos e eficientes”, diz Justice. “Era preciso também melhorar muito os sistemas hidráulicos que controlavam essas peças, para que a força dos pilotos fosse suficiente para controlar o avião nas altas velocidades.” O M.52 já começava a explorar algumas dessas inovações.

Enquanto isso, os americanos delegaram a mesma tarefa para a Bell Aircraft, que propôs o projeto do X-1, também um avião-foguete. No final de 1944, os governos dos dois países firmaram um acordo para compartilhar os dados dos voos experimentais realizados até então.

A Miles Aircraft enviou seus dados para a Bell. Mas, assim que eles foram analisados, os EUA resolveram quebrar o acordo e deixar os britânicos na mão, por razões até hoje não explicadas. Dois anos depois, o X-1 rompia a barreira do som em Muroc, enquanto o M.52 amargava o cancelamento do seu projeto.

Piloto

Mas faltava ainda um dos ingredientes principais para quebrar a barreira do som: coragem. Os pilotos que haviam tido experiências na zona transônica contavam histórias aterrorizantes sobre a falta de controle – isso, quando voltavam vivos para relatar alguma coisa. Mas não bastava um piloto destemido. Era preciso alguém que fosse capaz de sair inteiro das possíveis enrascadas que o voo poderia oferecer. E era exatamente isso que o jovem Chuck Yeager tinha a oferecer.

Yeager saiu dos confins do estado de Virgínia para alistar-se na aviação do Exército americano aos 18 anos, em 1941. Mal-encarado, durão, mas dono de um jeito calmo de falar, o garoto do interior mostrou-se o piloto mais habilidoso e ousado de sua geração, literalmente incendiando os céus da Europa durante a Segunda Guerra.

Em 1943, abateu dois caças alemães durante suas primeiras oito missões. Na seguinte, foi atingido, ferido e precisou saltar de paraquedas no interior da França. Para voltar à sua base na Inglaterra, precisou se disfarçar de camponês e passou alguns dias numa cadeia na Espanha, para só então chegar perto de um avião novamente.

E logo quis tirar o atraso: derrubou cinco caças alemães numa única missão. Aos 22 anos, no final da guerra, Yeager tinha abatido 13 aviões e ajudado a derrubar mais um.

“Era um resultado excepcional para um piloto tão jovem e com tão pouca experiência”, diz o historiador Don Pisano, curador da divisão de aeronáutica do Museu Smithsonian, nos Estados Unidos, e um dos autores do livro Chuck Yeager And The Bell X-1 (2006, ainda sem edição no Brasil). “Mas o que realmente fez Yeager ser reconhecido como um dos pilotos mais durões que existiram até hoje era a sua capacidade de sair das piores situações possíveis com tranquilidade e extrema habilidade”, diz Pisano.

Se a maioria dos pilotos evitava a zona transônica, com Yeager o problema era o contrário. “Ao colocar as mãos no X-1, o difícil foi fazê-lo ir com calma durante os testes preliminares”, afirma Pisano.

Ele não acreditava na existência da barreira do som e, apesar de ter experimentado todos os problemas e instabilidades da zona transônica, estava totalmente convencido de que eles iriam parar ao ultrapassar Mach 1.

E foi o que aconteceu. Com duas costelas quebradas após cair de um cavalo, dois dias antes, Yeager ultrapassou a barreira do som com a tranquilidade de quem parecia fazer isso todos os dias. Quando falava sobre o “maquímetro quebrado”, ele já estava a Mach 1.06 e tinha retomado totalmente o controle do avião.

“O X-1 é uma tecnologia totalmente obsoleta nos dias de hoje. Mesmo na década de 1940, sua utilidade prática, do jeito que ele era construído e funcionava, era quase zero”, afirma Justice. “Mas sua grande revolução, assim como a de Yeager, foi mostrar que o impossível era possível. Rompida essa barreira, a evolução foi bem mais rápida.”

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