Livro detalha Guerra Fria entre os Beatles e momentos de tensão entre os membros de uma das maiores bandas de todos os tempos: 'Já era hora'
Fabio Previdelli Publicado em 24/04/2024, às 19h00 - Atualizado em 26/04/2024, às 19h01
Em 10 de abril de 1970, os Beatles chocavam o mundo ao anunciar seu fim. Após oito anos juntos, John Lennon, George Harrison, Ringo Starr e Paul McCartney deixariam de ser o Fab Four.
Na época, Paul falou que o fim ocorreu por "desacordos nos planos pessoais, no dos negócios e no musical. Mas o principal é que me sinto melhor com minha família".
Apesar da surpresa para os fãs, quem vivia a rotina do Quarteto de Liverpool não via a situação dessa maneira. Ringo Starr, considerado uma pessoa delicada, admitiu que ficou "satisfeito" com a separação.
Já era hora… As coisas duram pouco", disse.
Mas se engana quem pensa que as crises dos bastidores se encerraram após o episódio. Em meados de 1980, uma década depois, os ex-Beatles viviam uma Guerra Fria, principalmente contra Lennon.
George Harrison, por exemplo, descreveu seu antigo colega como "um pedaço de merd*". O guitarrista, conhecido por ser normalmente quieto, ainda continuou sobre John: "Ele é tão negativo sobre tudo… Ele se tornou tão desagradável".
Companheiro de longa data de Lennon, o diplomático Paul McCartney também foi ríspido contra o parceiro de escrita — e sua esposa Yoko Ono. "A maneira de conseguir a amizade deles é fazer tudo do jeito que eles exigem".
"Fazer qualquer outra coisa é como não conseguir a amizade deles. Eu sei que se eu absolutamente me deitar no chão e simplesmente fizer tudo como eles dizem e rir de todas as suas piadas e não esperar que minhas piadas sejam ridicularizadas... se eu estiver disposto a fazer tudo isso, então poderemos ser amigos", criticou o casal.
As revelações foram expostas no livro 'All You Need Is Love: The Beatles in Their Own Words', obra recém-lançada escrita pelo ex-assessor da banda, Peter Brown, e o autor best-seller Steven Gaines.
O livro é baseado em entrevistas feitas por Gaines entre 1980 e 1981. Na época, ele chegou a agendar uma reunião com John Lennon, no entanto, o encontro nunca aconteceu devido ao assassinato do ex-Beatle. A narrativa ainda conta com relatos dos Beatles sobreviventes, esposas e amantes dos músicos, parceiros de negócios e outras pessoas ligadas ao Quarteto de Liverpool.
'All You Need Is Love' é uma sequência da biografia de 1983 'The Love You Make: An Insider's Story of the Beatles', onde Gaines fala sobre a ascensão meteórica da banda e a separação tóxica — incluindo o uso de anfetaminas, maconha, LSD, cocaína, heroína; e namoros com groupies. Pintando um retrato conturbado de como a fama arruinou a maior banda do mundo.
No livro, Ringo Starr deu detalhes da angustiante turnê dos Beatles em Manila, capital das Filipinas, em 1966. Na ocasião, o baterista disse que a banda foi "cuspida" e quase mantida refém após recusar um convite do presidente Ferdinand Marcos e da primeira-dama Imelda Marcos.
"Então chegamos ao avião e há um anúncio de que nosso assessor de imprensa, Tony Barrow, e [o técnico de apoio] Mal Evans tiveram que sair do avião", afirmou ele. "Nós pensamos, agora eles estão nos tirando de dois em dois para atirar em nós".
Quando os Beatles encerraram a parte norte-americana da turnê naquele ano, eles estavam desmoronando. "Continuávamos percebendo que estávamos ficando cada vez maiores, até que todos percebemos que não poderíamos ir a lugar nenhum — você não poderia pegar um jornal ou ligar o rádio, ou a TV sem se ver", disse Harrison. "Tornou-se demais".
A obra também examina a icônica parceria entre Lennon e McCartney, que gerou frutos como 'I Want To Hold Your Hand', 'Eleanor Rigby' e 'A Day In the Life'. Apesar disso, eles travaram uma intensa batalha pelo controle da Apple Records.
"De repente, eu tinha mais ações da Northern Songs do que qualquer um", admitiu McCartney, "e foi tipo, opa, desculpe. John disse: 'Seu bastardo, você está comprando pelas minhas costas'".
O ex-presidente da Apple Records, Ron Kass, insistiu que a desavença que, eventualmente, afogou a banda poderia ter sido evitada se ele "tivesse presenteado [Lennon] com um saco de dinheiro ocasionalmente".
O dinheiro investido era muito abstrato para ele", disse Kass sobre Lennon.
A relação se tornou ainda pior quando o empresário Allen Klein foi nomeado para presidir os assuntos financeiros dos Beatles. Paul não concordava. E se referia como "demônio". "Os três queriam fazer coisas, e eu sempre fui a mosca na sopa", alegou McCartney.
A escolha de Allen, seguindo a maioria, deixou Paul McCartney ainda mais furioso pela adesão de Starr: "Então eu disse: 'Bem, isso é como o maldito Júlio César, e estou sendo esfaqueado nas costas'".
Paul ainda acusou Klein de conquistar John ao se aproximar de sua esposa, Yoko Ono. "Klein viu a conexão com Yoko e disse a Yoko que faria muito por ela", lembrou. "E era basicamente isso que John e Yoko queriam: reconhecimento para Yoko".
Tudo se tornou ainda mais intenso quando o baixista foi pressionado para adiar o lançamento de seu álbum solo de estreia, 'McCartney', para abrir espaço para o lançamento final da banda, 'Let it Be'.
Quando Ringo Starr o visitou na tentativa de fazer as pazes em nome do grupo, McCartney expulsou o baterista. "Esse foi o pior momento com Ringo, e senti pena dele porque isso realmente o desanimou". Um ano depois, em 31 de dezembro de 1970, McCartney processou seus companheiros de banda.
A vida amorosa dos Beatles era tão conturbada quanto os entreveros internos da banda. Como recorda o livro, muito se fala sobre como Eric Clapton roubou a esposa de George Harrison, Pattie Boyd, enquanto pouco se diz o quanto o guitarrista é igualmente culpado por se apaixonar pela esposa de seu companheiro de banda.
A primeira esposa de Ringo Starr, Maureen Starkey, relembrou a escandalosa perseguição que sofreu de Harrison nos anos 1970. Na ocasião, ela e Ringo tinham acabado de receber Harrison e Boyd para um jantar em casa.
"Eu estava limpando a mesa", recordou Starkey. "[Harrison] pegou um violão e começou a cantar uma música… e então ele simplesmente se virou para [Starr] e disse: 'Estou apaixonado por sua esposa'. Fiquei totalmente atordoada". Questionada se Harrison estava louco com tal afirmação, ela respondeu: "Jesus Cristo, sim".
Yoko Ono também se defendeu das críticas e acusações de longa data que ela seria responsável pelo fim da banda. "Tudo o que fizemos naquela época, qualquer coisa que estivesse errada, era minha responsabilidade", disse Ono, que alegou que Harrison até mesmo a culpou por 'colocar' Lennon na heroína.
Ono brincou sobre uma vez em que participou de uma reunião dos Beatles com uma sala cheia de empresários judeus — e vestiu trajes árabes. "Eles me odiavam de qualquer maneira", refletiu. "Mas sim, isso tornou tudo pior. Engraçado".
Por fim, Gaines aponta que John Lennon "transformou sua esposa em uma arma", fazendo dela a policial má das histórias. Entretanto, como esclarece o autor, "John e Paul já estavam fartos um do outro".
Acho que estávamos nos distanciando", reconheceu McCartney.
Porém, Paul McCartney descreveu como "agradável" um telefonema que teve com John Lennon no dia de Natal de 1979. "Eu li piadas sobre: 'Oh, os Beatles cantaram 'Tudo que você precisa é amor', mas não funcionou para eles'", disse Lennon em uma citação de 1972 usada como epígrafe do livro. "Mas nada jamais quebrará o amor que temos um pelo outro".
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