O país foi taxado de ‘neutro’ durante o conflito, mas estava bem preparado para o futuro
Ricardo Lobato Publicado em 24/06/2023, às 20h00 - Atualizado em 05/09/2023, às 16h04
Querido(a) leitor(a), na coluna deste mês vamos falar de um país que é mundialmente conhecido por seus relógios de precisão, suas fábricas de chocolate, suas estações de esqui, seus canivetes multifuncionais e também por sua neutralidade. Se você pensou na Suíça, acertou! Todas as vezes que o mundo se vê chacoalhado por um novo conflito arma do – especialmente se este for na Europa –fala se da neutralidade suíça.
Com o advento das ações militares mais recentes na Ucrânia, não faltam manchetes e comentaristas dizendo que “a neutralidade da Suíça foi posta à prova”. Mas será mesmo? A resposta para esta questão está, claro, na História. Vamos então falar do que aconteceu no país na última vez que grandes potências se enfrentaram em solo europeu.
Não estamos falando da dissolução da Ioguslávia nos anos 1990 — sim, a Ucrânia não é a primeira guerra na Europa pós 1945 —, mas da última grande guerra continental, a Segunda Guerra Mundial. Para compreender a posição da Suíça entre1939 e 1945 é preciso primeiro entender sua política de neutralidade.
Ela data do fim de um conflito anterior, as Guerras Napoleônicas. Foi com o fim do domínio bonapartista na Europa, em 1815, que o país adotou, formalmente, uma política externa baseada na neutralidade militar– não se envolvendo, portanto, na beligerância de outras nações. É a mais antiga política de neutralidade em vigência, não tendo sido que brada na Grande Guerra de 1914 a 1918, nem na Segunda Guerra Mundial.
Todavia, ser neutro não quer dizer não ser afetado pelo conflito. Muito se fala que a nação apenina fez uso de sua neutralidade para fazer comércio com o Terceiro Reich, entretanto, como um país neutro, se focarmos, por exemplo, nas transações comerciais de ouro da Confederação Suíça (nome oficial do país) entre setembro de 1939 e junho de 1945, a Alemanha é apenas o quarto maior parceiro comercial.
Antes dela estão três dos principais Aliados: Estados Unidos, Grã Bretanha e Canadá (respectivamente). O comércio com ambos os lados do conflito também foi um “ativo” para se evitar uma invasão. Quando a Segunda Guerra começou em1939, a Suíça já vinha se preparando para o pior. Ser um país neutro é difícil, ainda mais se suas fronteiras são com dois dos maiores beligerantes, no caso Alemanha e França.
De modo a se prevenir de uma possível invasão, a Suíça (que já conta com os Alpes como barreira natural) fortificou (mais ainda) suas fronteiras e adaptou sua infraestrutura para fins militares. Além, claro, de ter construído bunkers e casa matas por todo o território. Para mais, outro grande ativo da neutralidade suíça é sua vasta quantidade de pessoal militar na reserva.
O serviço militar é mandatório para os homens e, logo após a invasão alemã da Polônia em 1º de janeiro de 1939, os suíços começaram a mobilização em massa. Em três dias foram mobilizados 430 mil homens, com mais 210 mil mantidos como pessoal de apoio – dos quais 10 mil eram mulheres. No auge da mobilização (por volta de 1942), a Suíça tinha 850 mil militares na ativa.
Se isto é muito para os padrões atuais, pensando nos anos 1940 e, em um país que tinha uma população de pouco mais de 4 milhões de pessoas, era algo a se considerar ao se planejar uma invasão à “Fortaleza Helvética”. E isso foi levado em conta pelos generais alemães. Diante dos diversos incidentes de fronteira entre forças suíças e alemãs durante a Batalha da França (1940), onde consta que a Luftwaffe invadiu o espaço aéreo suíço pelo menos197 vezes, os suíços abateram pilotos alemães em 11 delas.
Hitler ficou enfurecido que equipamento alemão fosse usado para abater aero naves alemãs – boa parte do material de guerra suíço fora adquirido junto à Alemanha nos anos 1930 – ordenando então que planos fossem esboçados para a invasão do país.Com o codinome “Operation Tannenbaum” (Operação Árvore de Natal, em tradução livre), os planos iniciais de invasão e ocupação da Suíça foram apresentados a Hitler em junho de1940, logo após a capitulação da França.
Apesar de terem sido descartados apenas em 1944, quando a Alemanha já não era mais a máquina de guerra que atropelou a Europa, os fracassos na Batalha Britânica, a prioridade em focar recursos na invasão da União Soviética, e o custo da campanha (tanto material quanto humano), fizeram com que os planos fossem rapidamente esquecidos.
Consta que na análise final do Reich, nem a potencialidade de se apossar das reservas de ouro do país valeria o risco e o custo da invasão – era melhor uma Suíça neutra que uma Suíça junto aos Aliados. Por falar neles, estes também tiveram seus incidentes com os suíços. Entre 1939 e 1945, o espaço aéreo do país foi violado mais de 6 mil vezes por aeronaves Aliadas.
A maior parte era de bombardeiros ingleses ou norte-americanos voltando de missões contra a Alemanha, Itália ou outro país ocupado. Sendo neutra e estando bem no centro da Europa sob domínio nazi, o cálculo dos pilotos Aliados era simples: se suas aeronaves estivessem avariadas, era melhor pousar na neutra Suíça e ir para um campo de internação do que na Alemanha e acabar em um campo de prisioneiros.
Há muitas outras histórias para se contar sobre esta nação alpina nos anos de guerra. As missões médicas junto à Wermacht na União Soviética; o papel da Cruz Vermelha Internacional “contrabandeando refugiados” para um país livre; o “porto seguro” para muitos intelectuais e cientistas; e, claro, o centro internacional da espionagem para os dois lados do conflito.
Esta última será tema de um artigo ainda neste ano, onde falaremos da Suíça, Suécia, Portugal e Espanha na Segunda Guerra Mundial. As outras histórias também serão contadas, afinal, ainda temos muito a desbravarem nossas Aventuras na História!
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