Há 39 anos, o aiatolá se tornou líder supremo do país. Entenda como funciona a teocracia iraniana
Paula Lepinski Publicado em 03/12/2018, às 09h00
Foi por intermédio de um referendo, realizado há 39 anos, que o aiatolá Ruhollah Khomeini consolidou sua posição de líder supremo do Irã. A votação contou com 76% de participação dos eleitores - Khomeini havia afirmado, na véspera, que não participar era uma forma de ajudar os inimigos americanos e de desrespeitar os mártires do islamismo. A nova Constituição do país foi aprovada por 99,5% do total. Khomeini só deixaria o cargo ao morrer, em 1989. As marcas que ele deixou no país nunca foram apagadas. O Irã, que antes era uma monarquia persa e um país avançado do Oriente Médio, se tornou uma teocracia da noite para o dia.
A revolta islâmica havia começado anos antes, em Mashhad, a segunda cidade iraniana mais populosa. O aumento de 40% no preço de aves e ovos foi a gota d’água para uma população extremamente insatisfeita com a alta da inflação, o aumento do desemprego e o autoritarismo do regime teocrático.
De Mashhad, a manifestação se alastrou por todo o país, chegando à capital Teerã e adotando um cunho cada vez mais político. Sob gritos de “Nós não queremos uma República islâmica” e “Morte ao ditador”, a multidão passou a atacar o Líder Supremo, aiatolá Ali Khamenei, e o presidente Hassan Rouhani. O governo reagiu imediatamente proibindo o acesso aos aplicativos Telegram e Instagram - o Facebook e o Twitter já são proibidos no país -, e acionando as forças de segurança, incluindo a Guarda Revolucionária. Pelo menos 20 pessoas morreram e 450 foram presas, segundo os dados mais recentes.
A queda da dinastia Pahlavi em 1979 representou o fim de 2.500 anos da monarquia persa. O Islã não é nativo do Irã, mas fruto da conquista árabe pelo Califado Rashidun, os sucessores imediatos de Maomé, no século 7. Ainda hoje, alguns nacionalistas persas - eles preferem se chamar assim - defendem a herança pré-islâmica do país. Como fazia o xá, o rei do Irã.
Em 1979, o país era aliado dos EUA e de outras potências ocidentais. O último xá, Mohammad Reza Pahlavi, conduzia uma política de modernização secular, capitalista e autoritária, mais ou menos como ocorria no Chile, Coreia do Sul e Singapura. Perseguindo facções normalmente inconciliáveis: os clérigos islâmicos e os comunistas.
E há também um lado mesmo comentado: os não persas. Apenas 61% dos iranianos são persas. O resto da população, como curdos, azeris e árabes, era excluído da identidade persa da monarquia. E muitos, vivendo longe das metrópoles, tinham uma visão religiosa mais linha-dura que os persas urbanos, cujos costumes seria sob essa instável aliança que, em outubro de 1977, massivos protestos tomaram o país. O aiatolá (clérigo de alta patente xiita) Ruholla Khomeini, após 15 anos de exílio por sua oposição religiosa ao xá, retomou para, eventualmente, tornar-se o líder da revolução.
A esquerda acreditava que os religiosos se recolheriam às mesquitas após a queda do xá. No lugar disso, Khomeini no poder passaria a persegui-los e muitos se juntariam aos monarquistas no exílio. O aiatolá fundou um regime inédito no mundo: a república islâmica. Uma estranha mistura de teocracia e democracia.
Os representantes são eleitos por voto direto, em um sistema multipartidário. Mas a democracia iraniana encontra o seu limite na figura do Líder Supremo, que tem a palavra final sobre todas as questões de Estado.
Dos 12 membros do Conselho de Guardiões, grupo de especialistas na sharia que aprova as leis e seleciona candidatos presidenciais e parlamentares, metade é selecionada pelo Líder Supremo, enquanto a outra metade é indicada pelo Judiciário e aprovada pelo Parlamento.
O Líder Supremo ainda tem a regalia de controlar forças de segurança como a Guarda Revolucionária, que se reporta unicamente a ele. Assim, a oposição mais dura, a que quer encerrar o poder dos clérigos, é impedida de concorrer.
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