Marcado por bizarros imprevistos, o episódio esconde curiosidades que não foram reveladas no quadro de Pedro Américo
Nicoli Raveli Publicado em 07/09/2020, às 08h00 - Atualizado às 08h00
Em meados de 1808, o governo de Dom João VI, então rei de Portugal, era bastante questionado por aqueles que não concordavam com suas medidas. A pressão, contudo, não impedia o monarca, que implementou, no mesmo ano, a abertura dos portos às nações vizinhas e também autorizou o comércio entre o Brasil e a Inglaterra.
A oposição, no entanto, continuou intensa em 1817, ano da Revolução Pernambucana. Na época, diversas pessoas que se voltaram contra a monarquia portuguesa e decidiram criar uma República independente do resto do Brasil.
Devido a insatisfação de Portugal sobre as implementações brasileiras feitas por Dom João VI, o monarca retornou ao país em 1821. Dessa maneira, Pedro de Alcântara tornou-se príncipe regente e assumiu o conturbado reinado.
Em apenas um ano de governo, ele também teve que lidar com inúmeras exigências de Portugal, o que fez com que grande parte da população perdesse o desejo de continuar vinculado ao país.
Em agosto de 1822, a corte portuguesa ordenou a volta do príncipe a Portugal. Ao ler a carta, Maria Leopoldina, esposa de Pedro de Alcântara, tomou a iniciativa de romper completamente as ligações com os portugueses.
Dessa maneira, ela assinou a declaração de independência no dia 2 de setembro. No entanto, o príncipe regente só teve contato com a carta cinco dias depois, já que estava em uma viagem a caminho de São Paulo.
No dia 7 de setembro, o mensageiro Paulo Bregaro alcançou os cavalos da realeza. Considerado atualmente como patrono dos carteiros, entregou a correspondência assinada quando todos estavam próximos ao Rio Ipiranga e, minutos depois, Dom Pedro I gritou "Independência ou morte!", declarando o desligamento de Portugal com o Brasil.
No entanto, os que poucos conhecem são as situações por trás do momento histórico. De acordo com Laurentino Gomes, autor do livro '1822', pouco antes do anúncio, o monarca sofreu de problemas intestinais que marcaram a declaração da independência.
“O destino cruzou o caminho de D. Pedro em situação de desconforto e nenhuma elegância. Ao se aproximar do riacho do Ipiranga, às 16h30 de 7 de setembro de 1822, o príncipe regente, futuro imperador do Brasil e rei de Portugal, estava com dor de barriga. A causa dos distúrbios intestinais é desconhecida”, escreveu Laurentino.
De acordo com o escritor, a teoria mais aceita é de que o monarca havia ingerido algum alimento contaminado no dia anterior, enquanto ele e sua comitiva estavam em Santos.
“Testemunha dos acontecimentos, o coronel Manuel Marcondes de Oliveira Melo, subcomandante da guarda de honra e futuro barão de Pindamonhangaba, usou em suas memórias um eufemismo para descrever a situação do príncipe. Segundo ele, a intervalos regulares D. Pedro se via obrigado a apear do animal que o transportava para ‘prover-se’ no denso matagal que cobria as margens da estrada”, acrescentou.
Gomes também relatou quando o imperador fez uma parada em Cubatão devido aos problemas intestinais. “O príncipe refugiou-se na modesta estalagem situada à beira do porto fluvial da cidade. Maria do Couto, responsável pelo estabelecimento, preparou-lhe um chá de folha de goiabeira, remédio ancestral usado no Brasil contra diarreia”.
Não obstante, o chá fez com que duas dores sumissem temporariamente, o que lhe deu ânimo para continuar a viagem e, posteriormente, declarar a independência do Brasil.
Além disso, acredita-se a pintura do quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo, não condiz com a verdade. De acordo com os historiadores, o imperador não estava montado em um cavalo, e sim em uma mula.
Quando o pintor acadêmico Pedro Américo recebeu a encomenda da família real, ele abusou de licença poética. Exceto pelo imperador brandindo sua espada e gritando, tudo no colossal Independência ou Morte é invenção do artista.
Américo transformou uma cena trivial e provavelmente bem feia num épico de batalha - colocando um regimento inteiro vestido em uniformes de gala, prestes a combater, alguns até em posição de combate, com seus cavalos em movimento. Era certamente a forma como a monarquia brasileira, invicta nas guerras que havia travado até então, preferia ser representada.
Mas, como o quadro, era mais pompa e circunstância que realidade: no ano seguinte à conclusão da obra, o imperador seria deposto num golpe militar. O Museu da Independência (Museu Paulista), para o qual havia sido encomendado, só seria aberto em 1895, já durante a República.
Ainda que o quadro certamente não retrate a vida real, ele é verdadeiro de certa forma. O que dom Pedro fez, seja lá como se sentisse dos intestinos, foi realmente um gesto heroico: ao ouvir que a monarquia portuguesa o havia tirado do cargo de regente do Brasil, ele imediatamente declarou guerra.
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