Em meio ao caos, Praga vivia o conflito que marcou o final da Segunda Guerra Mundial na Europa
Ricardo Lobato Publicado em 05/11/2023, às 11h17
Quando começamos a contar a história da Ofensiva de Praga, voltamos para a Europa de 1945 – mais especificamente 5 de maio. Em 30 de abril, Hitler se suicidara em seu bunker; em 2 de maio, os soviéticos tomaram Berlim, e agora tudo estava em aberto. Enquanto os Aliados e o que restara do governo nazista negociavam secretamente a rendição da Alemanha, em 5 de maio operadores da Rádio Tcheca começaram a fazer anúncios e tocar músicas em tcheco na estação central de Praga.
Ao escutar seu idioma natal — que havia sido proibido em transmissões oficiais pelos ocupantes alemães — os habitantes da cidade sabiam que aquele era o sinal: começava o Levante de Praga! Apesar de estarem programados para se rebelarem apenas no dia 7 de maio, com a invasão da Rádio pelas tropas da SS após o comunicado, tanto a Resistência Oficial (ÚVOD, na sigla em tcheco) quanto os comunistas tchecos iniciaram a luta. Perto do meio-dia, Praga vivia o caos.
Os cidadãos pichavam inscrições em alemão, o comércio parou de aceitar marcos, os ferroviários entraram em greve e, em represália contra os ataques da população aos civis alemães, as patrulhas da Wermacht receberam ordem para atirar contra qualquer tcheco que julgassem ser uma ameaça.
Com a municipalidade em situação de guerra, o grosso das unidades da SS e do Exército foi redirecionado para conter o Levante, deixando cambaleantes as defesas do lado de fora da cidade – que haviam sido montadas exatamente para impedir o avanço do Exército Vermelho, que os alemães consideravam o temor maior.
O mais curioso é que a ÚVOD e os comunistas tchecos já haviam coordenado com os generais soviéticos que a Resistência empurraria os alemães para fora da cidade, de modo a poupar Praga da barragem de artilharia russa.
Entretanto, não tinha mais jeito, Praga seria mesmo o cenário da batalha, pois, com o anúncio na rádio (que precipitara o Levante), não apenas a resistência fora forçada a mudar os planos como também os soviéticos.
Stalin havia ordenado que seus generais se preparassem para uma grande ofensiva em 7 de maio.
Os soviéticos fariam uso de suas famosas pinças, cercando Praga pelos flancos Norte e Sul e atacando direto no centro. Com a luta em andamento desde o dia 5, foram forçados a antecipar o ataque para 6 de maio. Usando suas tropas combinadas do Primeiro Front Ucraniano, o marechal Ivan Konev atacou pelo Norte, enquanto demais elementos do Exército Vermelho se moviam pelo Sul.
Como você já deve ter notado, esse combate é cheio de exceções e reviravoltas, e aqui vai mais uma: os soviéticos não eram os únicos russos que se juntaram à luta dos tchecos. O Exército de Libertação Russo (ROA, na sigla original) mudara de lado e agora combatia os alemães. Não, você não leu errado! O ROA era composto de unidades russas pró Alemanha — muitos ex-Russos Brancos ou anticomunistas que se aliaram aos nazistas quando estes invadiram a URSS em 1941.
O ROA era aquartelado em Praga, e foi frequentemente usado em ações de repressão contra os tchecos, mas agora, com uma Alemanha colapsando, passara a combater os alemães. Na esperança de receber um perdão de Stalin, o comandante do ROA, o ex-general do Exército Vermelho, Andrey Vlasov, empenhou todos os seus homens no Levante de Praga. Apesar de vistos com desconfiança pelos tchecos, os “Vlasovitas” (como também eram chamados) trouxeram armamento pesado para a luta.
Naquela altura toda a ajuda era bem-vinda, ainda mais se levarmos em conta que, mesmo presos dentro da cidade, mais de 30 mil alemães ainda contavam com artilharia, blindados e algumas aeronaves. Conforme mencionado na Primeira Parte desta epopeia, as tropas norte americanas não se envolveram na luta, pois o general Eisenhower, além de evitar baixas (a seu ver) desnecessárias, não desejava se indispor com sua contraparte soviética. Isso não impediu que patrulhas avançadas dos EUA chegas sem a Praga para ver o que estava acontecendo.
Foi justamente uma dessas patrulhas que informaram ao governo provisório, o Conselho Nacional Tcheco, que os Aliados Ocidentais não se envolveriam. Vendo que toda a ajuda viria dos soviéticos, o ROA foi denunciado pelos defensores, que temiam sofrer represália de Stalin no pós-guerra. Em 7 de maio, com o cerco russo se fechando, e perdendo posições dentro da cidade, os alemães partiram para o tudo ou nada.
Como forma de desviar a atenção dos rebeldes para o assalto ale mão à estação central de trem, a SS, fazendo jus à sua notabilidade infame, passou a usar civis tchecos como escudos humanos, e a atacar prédios históricos.
Vendo que não havia como manter a posição, os nazistas buscavam meios de chegar às linhas Aliadas, pois sabiam que seu destino estava selado se ficassem na cidade ou caíssem em mãos soviéticas. Apesar de deter a iniciativa, no dia 8, com munições e suprimentos acabando, o Conselho Nacional Tcheco começou a pensar em uma solução negociada para pôr fim às hostilidades.
Percebendo que os alemães não estavam muito dispostos a continuar a luta, os tchecos negociaram um cessar fogo. A evacuação alemã, menos a SS, foi acordada para a manhã seguinte. Um contingente da Wermacht chegou a alcançar as linhas norte americanas, mas como os soviéticos entraram em Praga no dia 9 de maio, maiores tentativas alemãs de fugir para as linhas Aliadas foram frustradas.
O Conselho Nacional pode ter negociado a saída dos alemães de Praga, mas a história continua. Ainda que a guerra já estivesse oficialmente encerrada, os tchecos passaram a “caçar” os alemães. Entre os dias 10 e 11, agora amparados, armados e municia dos pelos soviéticos, os revoltosos promoveram aquilo que ficou conhecido como “Inferno Tcheco”. Foi somente após essa ação de “reparação” que o fim da batalha foi decretado.
O saldo final da Ofensiva e do Levante de Praga combinados foi, além da libertação das terras tchecas e eslovacas, de mais de 900 mil alemães capturados pelos soviéticos. Quando somados aos prisioneiros que os Aliados fizeram e depois entregaram aos russos, o número passa de 1 milhão. Quanto aos membros do ROA, apesar de muitos terem consegui do se render aos Aliados Ocidentais – principalmente ao Terceiro Exército do general Patton (um ferrenho anticomunista) –, foram devolvidos aos soviéticos, e seus líderes enforcados em Moscou.
Com tantos problemas em uma nova Europa, os generais estadunidenses não desejavam se indispor com os soviéticos por conta de traidores russos. Com o fim definitivo das hostilidades, a Tchecoslováquia foi convertida em um Estado satélite da URSS.
Apesar da “Primavera de Praga” de 1968, as fronteiras de 1938 somente foram revistas em 1991, com o fim da Guerra Fria, agora na forma de duas nações irmãs: República Tcheca e Eslováquia. A Batalha de Praga marcou os momentos finais da guerra na Europa, restaurando o orgulho de uma nação, e mostrando que os crimes do fascismo não ficariam impunes, lições valiosas para o mundo de hoje.
+ Essa é a segunda parte da coluna de Ricardo Lobato sobre a Ofensiva de Praga. Para conferir a primeira parte, clique aqui.
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