Antares de la Luz resgata a seita apocalíptica comandada por Ramón Gustavo Castillo Gaete que, em 2012, queimou um recém-nascido ainda vivo
Fabio Previdelli Publicado em 25/04/2024, às 19h00
Seus seguidores o adoravam, eram subservientes e acreditavam que sua missão era salvar o mundo. Ele afirmava ser a reencarnação de Deus, com seu caráter forte se tornou o líder de uma seita.
Assim era Ramón Gustavo Castillo Gaete, ou melhor, Antares de la Luz, como gostava de ser chamado. Sua barba loga, os cabelos curtos e sua altura proeminente marcaram sua presença por onde passava. Ele acreditava ser o responsável por algo maior, nem que para isso precisasse fazer sacrifícios.
O principal, e mais brutal entre eles, aconteceu em novembro de 2012, quando o grupo liderado por Antares de la Luz queimou vivo um recém-nascido em uma fogueira. O líder acreditava que a criança era o "anticristo".
O crime chocou o Chile, fazendo de Ramón Gustavo o homem mais procurado do país. Ele fugiu para o Peru e, meses depois, foi encontrado morto, aos 35 anos, em Cusco. Mais de uma década depois, sua história é retratada em novo documentário da Netflix.
'Antares de la Luz: Uma Seita Apocalíptica', que estreou nesta quinta-feira, 25, apresenta detalhes inéditos sobre o funcionamento do grupo liderado por Antares de la Luz e também mostra entrevistas com alguns de seus ex-discípulos, incluindo Pablo Undurraga, que era mais próximo de Ramón Castillo Gaete.
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Oriundo de uma família de classe média, Ramón Gustavo Castillo Gaete cresceu na cidade chilena de Santiago, onde jogava bola e tinha amigos. Após sair da escola, passou a se dedicar a estudar música e lecionar em uma escola para crianças vulneráveis.
Posteriormente, ingressou num grupo musical andino, o Amaru, onde tocava instrumentos de sopro. Durante uma viagem à China com a banda, Gaete passou a apresentar mudanças em sua personalidade.
"Ele ficou mais retraído", disse a jornalista e pesquisadora Verónica Foxley, autora do livro 'Cinco gotas de sangre: La historia íntima de Antares de la Luz y la secta de Colliguay', em entrevista à BBC Internacional.
"Depois disso, começou a fazer viagens sozinho para diversos lugares da América Latina. Foi para o Equador e supõe-se que foi lá que teve sua primeira revelação. Quando voltou ao Chile, estava diferente", aponta.
Em meados de 2009, mediante diferentes grupos de meditação, Ramón passou a angariar seguidores, sendo Pablo Undurraga um dos principais deles. Conforme relata no documentário da Netflix, a ligação se deu por conta de sua infância difícil, quando era vítima de bullying. Assim, englobar um grupo fez Undurraga se sentir bem.
Conforme Foxley, a maioria das pessoas que entravam na seita lidavam com grandes problemas emocionais. Sensíveis, lidaram com infâncias complicadas. Alguns também tinham problemas psicológicos. Infelizes com a realidade em que viviam, enxergavam Antares de la Luz como uma pessoa dotada de 'habilidades especiais'.
Com o passar do tempo, Ramón Castillo e seus seguidores passaram a viver juntos, primeiro em Santiago e depois em Colliguay, na região de Valparaíso.
Em primeiro momento, a seita passou a se dedicar à realização de seminários e workshops de meditação, visando 'descobrir o ser interior'. Mas logo as coisas foram escalonando e Antares de la Luz passou a se vestir de branco. Nos rituais, ninguém podia tocá-lo e nem olhar em seus olhos.
As "restrições" vieram em seguida, diz Verónica. "Uma vez que seus seguidores se convenceram de que este homem era a sua salvação, começou a doutrinação permanente e Antares tornou-se mais duro".
De acordo com ela, o líder estabeleceu regras. Além de cuidarem dele, também deveriam realizar massagens. Ao mesmo tempo, controlava as atividades sexuais daquelas pessoas, o que poderiam comer e até mesmo o tempo de sono.
Antares de la Luz convenceu seus seguidores fazendo uma grande promessa de que eles não apenas mudariam o mundo, mas também seriam os responsáveis por sua salvação. A data seria a mesma então estabelecida pelo calendário Maia: 21 de dezembro de 2012.
Foxley também revela que os rituais do grupo eram normalmente regados pela ayahuasca, planta alucinógena usada há seculos. Antares de la Luz era seu principal consumidor.
Com a aproximação do fatídico 'fim do mundo', a seita se tornava mais intensa, com o líder passando a controlar seus seguidores de uma maneira ainda mais física e mental. A jornalista aponta que as mulheres passaram a ter que servi-lo sexualmente. O que começou consensualmente, acabou com estupro.
Naquele mesmo ano, uma de suas mais fiéis seguidoras, Natalia Guerra, engravidou. Com isso, aponta Verónica, a mulher passou a viver isolada em uma cabana nos Andes, pelo fato de Antares de la Luz acreditar que seu filho poderia ser o "anticristo".
O filho de Guerra veio ao mundo em novembro e o parto aconteceu em um hospital próximo à sede da seita. O menino foi batizado de Jesus. Mas Antares acreditava que o bebê havia nascido mais cedo do que o normal, o que seria um sinal claro de que ele era um "ser sombrio".
Dois dias depois do nascimento, o sujeito ordenou que a criança fosse sacrificada. Para isso, seus seguidores foram ordenados a cavarem um buraco. O pequeno seria queimado ainda vivo. Apesar de tudo isso, a jornalista aponta que o episódio "fortaleceu" ainda mais o grupo. Para o grupo, era um sacrifício contra o anticristo.
Mas logo o grupo passou a desmoronar. O fato do mundo não ter acabado em 21 de dezembro de 2021, relata a BBC, fez com que muitos passassem a desacreditar nas crenças do líder.
Além disso, Undurraga, que era o braço financeiro do grupo, abandonou Antares e fugiu com sua namorada, que também era membro da seita.
No começo do ano seguinte, a Polícia Investigativa Chilena (PDI) passou a investigar a seita depois de uma denúncia anônima. O caso caiu no conhecimento popular em abril, quando os membros do grupo passaram a se entregar.
Pablo Undurraga e Natalia Guerra foram condenados a 5 anos de prisão cada. Mas Antares de la Luz fugiu do país rumo ao Peru. Após uma intensa busca, foi encontrado morto no dia 1º de maio.
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