Grevista que inspirou criação do personagem principal de Round 6 criticou a produção da Netflix: 'História reduzida a um produto descartável'; entenda!
Redação Publicado em 06/01/2025, às 19h00
A recente estreia da segunda temporada da aclamada série "Round 6" na Netflix, reascendeu discussões sobre as tensões sociais e as lutas trabalhistas na Coreia do Sul.
Os eventos que cercam a série refletem uma realidade marcada por conflitos, incluindo uma notória batalha campal em uma fábrica e o uso de tasers pela polícia contra grevistas. Tais ocorrências ilustram a brutalidade das relações sociais no país.
Com uma narrativa que apresenta personagens lutando desesperadamente em uma versão mortal de jogos infantis tradicionais coreanos, a produção traz à tona a temática da desigualdade social.
Hwang Dong-hyuk, diretor e roteirista da série, afirmou que as experiências do protagonista Gi-hun foram inspiradas por um trágico episódio da greve na fábrica da Ssangyong em 2009, quando trabalhadores ocuparam o local para protestar contra um plano de demissão em massa.
Em maio daquele ano, a Ssangyong anunciou a demissão de mais de 2.600 empregados, cerca de 40% de sua força de trabalho, alegando dificuldades econômicas. A greve, que se prolongou por 77 dias, culminou em confrontos violentos entre os grevistas e a polícia, que utilizou armas não letais como tasers e helicópteros para dispersar os manifestantes com gás lacrimogêneo.
A repressão resultou na prisão de muitos sindicalistas e em um clima de medo que perdurou após o fim da greve. Em um desdobramento notável desse conflito, cinco anos depois, o líder sindical Lee Chang-kun protagonizou um protesto único: ele escalou a chaminé da fábrica e ficou lá por 100 dias para contestar decisões judiciais favoráveis à empresa. Durante seu isolamento, ele foi alimentado por meio de cestas suspensas e relatou ter sofrido alucinações durante esse período.
O impacto emocional dessa luta se estendeu para muitos trabalhadores envolvidos na greve de 2009, que ainda enfrentam dificuldades para discutir temas relacionados à série devido ao trauma vivido, conforme relata a AFP.
Além disso, o legado dessa batalha não foi apenas físico; mais de 200 trabalhadores enfrentaram processos judiciais e quase 100 deles foram condenados à prisão. Tragicamente, cerca de 30 pessoas cometeram suicídio devido ao estresse acumulado, segundo relatos de Lee.
Lee descreve como os trabalhadores eram frequentemente desumanizados e tratados como "ativistas obsoletos".
A polícia continuou a nos espancar, mesmo depois que ficamos inconscientes. Isso ocorreu em nosso local de trabalho e foi transmitido para que muitos pudessem assistir", diz à AFP.
Para ele, as cenas da primeira temporada onde o protagonista tenta resistir à traição entre os competidores foram particularmente tocantes. Entretanto, Lee expressa sua frustração com a falta de mudanças significativas nas condições dos trabalhadores sul-coreanos diante das crescentes desigualdades sociais.
Parece que a desigualdade está tão arraigada que não há como voltar atrás".
O sucesso mundial de "Round 6", lançado em 2021, deixou Lee com um sentimento de "vazio e frustração", disse à AFP.
Senti que a história dos trabalhadores da Ssangyong foi reduzida a um produto descartável".
A série não apenas faz parte do fenômeno conhecido como "onda coreana", ao lado de sucessos cinematográficos como "Parasita" e grupos musicais como BTS, mas também chega em um contexto político tenso na Coreia do Sul. Recentemente, o presidente Yoon Suk Yeol foi destituído pelo Parlamento após tentativas frustradas de implementar a lei marcial.
Vladimir Tikhonov, especialista em estudos coreanos da Universidade de Oslo, ressalta que muitas das produções culturais mais bem-sucedidas do país abordam temas relacionados à violência estatal e às crueldades inerentes ao capitalismo. Tikhonov afirma: "Continuamos a viver à sombra da violência do Estado, e essa violência do Estado é um tema recorrente em produtos culturais de sucesso".
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