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EUA

Por que a CIA falhou em deter os ataques do 11 de setembro?

Muitos discutem possíveis falhas logísticas da agência, outros pesquisadores apontam negligência

André Nogueira Publicado em 10/09/2019, às 15h00

Os ataques terroristas ocorridos nos EUA em 11 de setembro de 2001 não conseguiram ser previstos e impedidos pela CIA, o que criou um clima de tensão: outros do tipo poderiam acontecer? No entanto, a falha da Agência, segundo Matthew Syed, não compete à capacidade logística da instituição, mas sim com a diversidade.

O que se coloca em questão não é a facilidade ou não de se detectar os planos de ataque da Al-Qaeda ou a competência da CIA em detectar sinais óbvios. Como nova recomendação, vale uma análise do funcionamento e das formas de admissão internas da CIA para compreender-se o caso.

Não se nega que um funcionário é contratado pela CIA por mérito. Os diversos exames e testes aos quais os candidatos são submetidos demonstram isso. "Os dois principais exames foram um teste no estilo SAT para investigar a inteligência de um candidato e um perfil psicológico para examinar seu estado mental", diz um veterano da CIA. 

Símbolo da CIA / Crédito: Reprodução

 

Porém, um aspecto da CIA foi levantado para a compreensão da falha da agência em 2001: em geral, o serviço dos EUA só tem funcionários estadunidenses, brancos, homens e que encaixam no padrão WASP. É o famoso fenômeno da homofilia: a tendência a contratar e se relacionar com quem é politicamente e fisicamente parecido com você. Essa tendência na contratação de funcionários da CIA criou um grupo investigativo acolhedor aos pertencentes, mas restrito em visão.

Durante o estudo, os especialistas em inteligência Milo Jones e Phillipe Silberzahn escreveram: "O primeiro atributo consistente da identidade e cultura da CIA entre 1947 a 2001 é a homogeneidade de seu pessoal em termos de raça, sexo, etnia e origem de classe (tanto em relação ao resto da América quanto para o mundo como um todo)".

Até 1964, não havia negros na instituição. Pouquíssimas mulheres. Era proibida a admissão de homossexuais. Em geral, eram só anglo-saxões que prosperavam. "Em outras palavras, [não havia] nem a diversidade que havia entre aqueles que ajudaram a criar a CIA”. E esse quadro piorou com o fim da Guerra Fria.

A questão da diversidade no interior da Agência não é simplesmente ética, numa visão pró-inclusão. Esse elemento do organograma da CIA pode ser o cerne da razão de sua incompetência, afinal, a homogeneização dos participantes dos grupos de investigação implica na consolidação de um corpo da Inteligência que possui visões muito próximas e, portanto, limitações muito parecidas.

Trata-se, portanto, de uma "cegueira" em perspectiva. Como todos na CIA são homens caucasianos, detalhes que passariam despercebidos para um WASP continuarão invisíveis à instituição. A análise necessária para a compreensão do que levou ao 11 de setembro passou por detalhes que aquele corpo investigativo restrito era incapaz de notar.

Isso porque o caso de Osama Bin Laden é o de um anti-EUA muito explícito em sua guerra contra o Ocidente. Já em 1996, o líder da Al-Qaeda declarou guerra contra os EUA, em filmagem no interior de uma caverna em Tora Bora, Afeganistão.

Entretanto, para a maioria dos membros da CIA, tratava-se apenas de um velho eremita e extremista vascainando numa caverna e a instituição "não podia acreditar que esse alto saudita de barba, agachado ao redor de uma fogueira, pudesse ser uma ameaça para os Estados Unidos da América", segundo membro. 

"Como um homem em uma caverna poderia se comunicar com a principal sociedade de comunicações do mundo?", declarou Richard Holbrooke, membro do governo Clinton. Percebe-se que os preconceitos e as visões limitadas dos caucasianos dos EUA foram sua própria arapuca. Bin Laden vivia numa caverna, como seria uma ameaça à torre espelhada no coração do Ocidente?

Bin Laden orquestrou sua operação "chamando imagens que eram profundamente significativas para muitos muçulmanos, mas praticamente invisíveis para aqueles que não estavam familiarizados com a fé" segundo L. Wright. Suas vestes e sua moradia, que faziam referência ao Profeta, foram erroneamente associadas ao primitivismo pelos estadunidenses cristãos.

Bin Laden era extremamente estratégico, usando símbolos e formas propagandísticas que eram essenciais para sua Hégira. “Ele sabia como usar as imagens do Alcorão para incitar aqueles que mais tarde se tornariam mártires nos ataques do 11 de setembro". O fato dos pronunciamentos do revoltoso serem feitos em poesia, só reforçou a ideia de simplicidade excêntrica que fez a CIA tropeçar, enquanto essa é uma forma santa no islamismo.

Nos anos 1960, a CIA era só de homens brancos / Crédito: Reprodução

 

Outra falha da CIA foi pensar que Bin Laden seria incapaz ou consideraria inviável declarar uma guerra real contra os Estados Unidos. A ideia era que o talibã nunca iniciaria um conflito que teoricamente não poderia ser conquistado. Nem se alocou recursos para a investigação da Al-Qaeda, conhecida desde a Guerra do Afeganistão, e assim o assunto não foi tratado com a urgência necessária. E o ataque só foi descoberto no dia.

Se a CIA tivesse mais muçulmanos, por exemplo, uma série de símbolos que colaboraram com a Al-Qaeda poderiam ter sido notados. E esse fenômeno não é restrito à CIA. Muitos grupos, sejam governos, sejam entidades civis pequenas como grupos de advogados ou empresas, sofrem com incapacidades provenientes de uma visão monofacetada da realidade, por falta de diversidade no interior da instituição.

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