Ossos de 9 mil anos podem responder uma das mais antigas dúvidas já registradas pela humanidade: qual a origem da sífilis?
Redação Publicado em 23/12/2024, às 13h00
Uma recente investigação sobre a reconstrução do DNA de bactérias encontradas em restos mortais oriundos de diferentes países revela informações cruciais sobre a disseminação da sífilis ao longo da história.
O primeiro registro significativo de um surto de sífilis remonta ao ano de 1494, durante a invasão da Itália pelo rei francês Carlos VIII. Naquele período, a doença, até então desconhecida na Europa, começou a se propagar entre os soldados, provocando desfigurações severas nos afetados que alcançavam o estágio terciário da enfermidade.
No ano seguinte, as infecções se alastraram pelas cidades, com a transmissão do patógeno ocorrendo por meio de relações sexuais ou pela gestação em mães contaminadas.
A origem da doença sempre gerou controvérsias e especulações. Uma das teorias predominantes entre historiadores sugere que a sífilis teve suas raízes nas Américas, tendo sido trazida à Europa pela expedição de Cristóvão Colombo em 1493. Por outro lado, alguns estudiosos acreditavam que a bactéria poderia já estar presente no continente europeu, aguardando as condições ideais para desencadear uma epidemia.
Recentemente, uma análise do material genético extraído de ossos antigos revelou genomas de bactérias pertencentes à família causadora da sífilis. Esses fósseis foram descobertos em várias localidades das Américas, corroborando a hipótese de que a infecção foi realmente introduzida na Europa pelos colonizadores.
O estudo que apresentou essa descoberta inovadora foi publicado na revista Nature, liderado por uma equipe internacional de cientistas sob a coordenação do Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, localizado em Leipzig, na Alemanha.
A sífilis é provocada pela bactéria Treponema pallidum, que também está relacionada a outras doenças infecciosas como o bejel e a bouba, causadas por cepas distintas desse microrganismo.
Os pesquisadores conseguiram reconstruir cinco genomas provenientes dos ossos analisados e identificaram material genético que pertence a linhagens irmãs das bactérias que infectam humanos atualmente.
O DNA recuperado foi extraído de ossos encontrados em diferentes regiões da América, incluindo um osso do quadril na Argentina, fragmentos ósseos das pernas no Chile e no México, além de um dente oriundo do Peru.
A datação por radiocarbono desses ossos sugere que o ancestral comum da bactéria da sífilis existiu há aproximadamente 9.000 anos.
"Esta é uma época em que os humanos já estavam bem estabelecidos nas Américas, e eles não estavam interagindo com populações em outras partes do mundo. Eles estavam basicamente isolados geográfica e biologicamente nas Américas", disse Kirsten Bos, líder do grupo de paleopatologia molecular no Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionária em Leipzig, conforme repercutido pelo The Guardian.
Com as explorações marítimas europeias e o comércio transatlântico de pessoas escravizadas entre África, Europa e América, a sífilis se transformou em uma enfermidade global.
Embora este estudo reforce a teoria mais amplamente aceita sobre a origem americana da sífilis, ele não encerra o debate.
"Não acho que estamos resolvendo o mistério necessariamente, porque ainda há muitas perguntas importantes que precisamos responder", enfatizou Bos. "Estamos olhando para fontes muito limitadas de dados e estamos tentando analisá-las de uma forma muito holística e abrangente, e com a mente muito aberta. Acho que a narrativa continuará a ser debatida".
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