Cena do documentário Paris is Burning (1990) - Divulgação / Miramax Films / Janus Films
Cultura

Obra discute construções históricas de gêneros e identidades na comunidade LGBTQIA+

O livro Cinema Queerité, de Ademir Corrêa, é baseado no ilustre documentário Paris is Burning (1990), de Jennie Livingston

Redação Publicado em 28/01/2021, às 13h17 - Atualizado às 13h18

O documentário de Jennie Livingston lançado em 1990 e vencedor do Teddy Awards do Festival de Berlim no ano seguinte agora é revisto no livro Cinema Queerité, de Ademir Corrêa, que reconta os passos das drag balls nova-iorquinas e discute construções de gêneros e identidades na comunidade LGBTQIA+.

“Este não é apenas um livro sobre Paris is Burning, o documentário cinematográfico de Jennie Livingston que mostra balls e concursos em houses de drags, no bairro negro do Harlem, em uma Nova York ainda violentada pelo giro mortal do HIV. Na verdade, este livro — feito de muitas formas de afetos partilhadas entre um pesquisador e quem teve a rara felicidade de participar como orientadora de sua pesquisa de mestrado — é o resultado da dupla vontade de estar fora da rota das mesmices e dos conformismos que, tantas vezes, orientam as escolhas em um percurso acadêmico, e do desejo de quebrar os contratos das violências e dos preconceitos que a cultura hegemônica costuma adotar. E o que este livro celebra e oferece é a potência das pequenas transgressões que, somadas, orientam a busca de ética da beleza estranha, vinculada à estética da resistência, na arte e na vida”, afirma Bernadette Lyra, escritora e professora doutora em cinema.

Cinema Queerité, de Ademir Corrêa / Crédito: Luan Zumbi/

Paco Editorial 

Cinema Queerité — Gêneros e Identidades no documentário Paris is Burning (Paco Editorial), do jornalista — diretor de conteúdo digital da Perfil Brasil — e mestre em comunicação especial pela Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo, Ademir Corrêa, surge de uma dissertação que trouxe à luz a luta pela visibilidade de corpos e gêneros (construídos) e desfilados na boate Imperial Elks Lodge, localizada no Harlem, em Nova York, no final da década de 1980 (hoje convertida em uma igreja messiânica no mesmo bairro).

A obra revela bailes drags filmados em que seus participantes — drags e legendary children da comunidade LGBTQIA+ negra e latina — conquistam o direito de ser e de se reinventar em um contexto repressivo norte-americano no qual sua invisibilidade é também sua sentença de morte.

Estas vidas em tela — que hoje inspiram séries como Pose e reality shows como RuPaul’s Drag Race — são analisadas pela Teoria Queer — que têm Judith Butler e Paul Preciado entre seus expoentes — e ainda sustentam discussões sobre arte de resistência, liberdades individuais e luta contra preconceitos de toda ordem renegociando identidades.

“Uma cena ambientada naquele momento histórico e que hoje renasce nas periferias e cidades brasileiras. Isso acontece no momento em que estes mesmos grupos excluídos voltam a ser ameaçados”, afirma André Fischer, Diretor do Centro Cultural da Diversidade em São Paulo e criador do Festival Mix Brasil, que assina a orelha do livro.

Drag ball do Brooklyn, no documentário Paris Is Burning / Crédito: Divulgação / Miramax Films / Janus Films 

 

“No começo do filme tem uma frase dita na rua, ao sabor da madrugada, que me chamou muito a atenção. Um dos entrevistados fala: ‘Eu me lembro do meu pai dizendo... Você tem três problemas. Todo negro tem dois: ser negro e ser homem. Mas você é negro, é homem e é gay. Você vai sofrer muito’. Esta cena me arrebatou de tal maneira que não conseguia pensar em nada exceto nestas existências ameaçadas e não celebradas, nestes filhos sem pais que só pediam por respeito e amor”, recorda Corrêa.

A capa da obra foi feita por Luan Zumbi, artista-ativista paulista que discute aceitação e inclusão por meio de suas obras situadas em um mundo zumbi altamente pop. “Um dos objetivos com o meu trabalho era fazer a capa de um livro um dia”, diz ele.

Sua visão reinterpretou o cartaz do filme que traz Octavia St Laurent, uma das protagonistas que só queria ser modelo profissional e encaixar-se em sociedade, casar e ter filhos, desejos que, para ela, pareciam impossíveis. 

Mulheres não mudam seu estilo porque são mulheres. Eu deixei o meu, porque eu não era e achei que queria ser a melhor possível. Não é um jogo para mim, ou diversão. É algo que eu quero viver. Espero, se Deus quiser, que em 1988 eu me torne uma mulher completa nos Estados Unidos”, sonha em cena. 

Cinema Queerité estará disponível na loja nômade Barra Funda Autoral, em São Paulo — com a renda obtida revertida para o CATS — Coletivo de Artistas Transmasculines. No mês de fevereiro, o livro será lançado em lives semanais com convidados especiais como Filipe Catto (em um pocket show especial), Fernanda Soares (apresentadora do Tretas TNT e criadora do canal Hollywood Forever TV) e Luan Zumbi. 


+Assista ao trailer de Paris is Burning (1990)


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