Em texto divulgado no twitter, deGrasse questiona a razão pela qual a ciência e tecnologia não são exaltadas tanto quanto o futebol e o Carnaval. "Sem essas perspectivas, ainda estaríamos vivendo em cavernas"
Fabio Previdelli Publicado em 31/10/2020, às 10h24
Na manhã de ontem, 30, o astrofísico Neil deGrasse Tyson publicou em seu twitter uma carta aberta ao Brasil. Intitulada de Letter to Brazil (Carta para o Brasil em tradução livre), deGrasse reconhece e exalta o potencial da ciência brasileira e questiona a razão por ela não receber o devido apoio e divulgação.
No texto, o astrofísico fala diversos pontos pelo qual nosso país é reconhecido lá fora (como o futebol, a Garota de Ipanema, o café, Carnaval), mas questiona o motivo da ciência da tecnologia brasileira, que é usada em todo o mundo, não ter a mesma propaganda. "Talvez esteja mais do que na hora de você exibir produtos que declarem: 'Fabricado no Brasil'", sugeriu.
Tyson diz que para que essa importância seja reconhecida, é fundamental que exista uma democracia, onde políticos e líderes "entendem o valor da educação, das pesquisas e das descobertas". "Sem essas perspectivas, ainda estaríamos vivendo em cavernas", comenta.
Confira na integra a carta escrita por Neil deGrasse Tyson:
Caro Brasil,
Das minhas muitas viagens à América do Sul, nunca tive a oportunidade de visitar você. A maioria delas teve como destino a cordilheira dos Andes, com o objetivo de observar o magnífico céu do hemisfério sul por meio de telescópios de alta tecnologia de um consórcio internacional. Mas, mesmo assim, tenho pensado em você com bastante frequência.
Como nativo dos Estados Unidos da América, sei em que costumamos pensar quando se trata de você. Não seguindo uma ordem específica, você possui a maior e mais importante floresta tropical do mundo. Você abriga o maior rio do mundo, que, a cada minuto que passa, escoa para o oceano Atlântico um volume de água que daria para encher um estádio de futebol. E, sim, nós sabíamos da existência de seu rio e de sua floresta tropical muito antes de a Amazon.com pegar o nome emprestado.
Quer mais? Não há quem não goste de castanha-do-brasil [a castanha-do-pará]. Na verdade, nos EUA, nós precisamos pagar pelo pacote “premium” para que elas venham incluídas em nossos mix de castanhas. E mesmo aqueles de nós que quase não acompanham futebol sabem da existência de seus times famosos, ficando na maior expectativa de ver você na final da Copa do Mundo a cada quatro anos. Também sabemos das suas praias deslumbrantes pelas músicas que as cantam — a “Garota de Ipanema” sendo uma delas. Sabemos de suas festas populares, principalmente o Carnaval, e tentamos imitar a intensidade e a alegria dessas celebrações — com dança e música — aqui no nosso hemisfério. Sabemos do seu café. E eu, particularmente, amo a sua bandeira. Há um pedaço do céu noturno estampado nela; mais de duas dezenas de estrelas retraçam constelações autênticas, incluindo o Cruzeiro do Sul.
Então, se você perguntasse a qualquer um de nós nos EUA o que vem à nossa cabeça quando seu nome é mencionado, normalmente selecionaríamos algo a partir dessa lista.
Você sabe do que nós não nos damos conta? Metade das vezes que embarcamos em voos domésticos, da American Airlines ou de outras companhias aéreas, viajamos num avião da Embraer. Tudo bem, o folheto com instruções de segurança traz impresso nele o nome Embraer. Nós podemos até achar Embraer escrito em letras miúdas em algum lugar da fuselagem. Mas quase nenhum de nós sabe que a aeronave é projetada e fabricada no Brasil. Você poderia alardear “Tecnologia Brasileira,” mas não o faz. Por que não? A Alemanha não hesita em se gabar da dela. Nada mais justo, claro. Todo mundo conhece a qualidade dos produtos fabricados na Alemanha, que, por sua vez, permeiam sua economia aeroespacial, a terceira maior do mundo.
Mas, espere. Um dos grandes pioneiros nos primórdios da aviação era brasileiro. Engenheiro brilhante e inventivo, altamente condecorado, Alberto Santos-Dumont liderou a transição mundial do transporte aéreo mais leve que o ar para o mais pesado que o ar. O valor de uma semente cultural como essa, plantada no nascimento de uma indústria, é incalculável. Um século depois, você se tornou líder em tecnologias de biocombustíveis — um passo fundamental em direção a uma economia verde onde nossa harmonia com a natureza vai determinar se iremos prosperar, sobreviver ou nos extinguir. Você também possui uma ambiciosa agência espacial, além de ser a sexta maior indústria aeroespacial do mundo. Na América Latina, você também é líder em Tecnologia da Informação. E num país famoso por sua agricultura, quase um terço de sua economia se apoia num setor produtivo impregnado de tecnologia.
Então talvez seja a hora de o mundo saber mais a respeito disso. Talvez seja a hora de os brasileiros saberem mais sobre isso. Talvez esteja mais do que na hora de você exibir produtos que declarem: “Fabricado no Brasil.”
Seja o que mais for, ou não, verdade no mundo, as economias de crescimento do futuro—mesmo as que possam ser puramente agrícolas — vão girar em torno dos investimentos feitos hoje em ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Numa democracia, esses investimentos fluem de um eleitorado letrado cientificamente, que elege líderes esclarecidos e que entendem o valor da educação, das pesquisas e das descobertas. Sem essas perspectivas, ainda estaríamos vivendo em cavernas, com alguns de nós resmungando: “Você não pode explorar o mundo exterior. Primeiro precisa resolver os problemas da nossa caverna.”
Para que ninguém se esqueça, o primeiro (e único) astronauta sul-americano foi um engenheiro aeronáutico brasileiro [Marcos Pontes]. E quando se deu o lançamento de sua missão? Em 2006, ano do centenário do primeiro avião bem-sucedido de Santos-Dumont. E o que ele levou para o espaço? Uma bandeira do Brasil e uma camisa da seleção brasileira de futebol.
Os países que mais passam por dificuldades no mundo tendem a ser aqueles com baixos níveis de instrução e com ausência de STEM em sua cultura. Você tem os recursos e o legado para liderar toda a América Latina, se não o mundo, no que um país do futuro deveria ser — no que um país do futuro deveria aspirar ser.
Se você abraçar e apoiar suas indústrias STEM — e o setor de tecnologia inteiro — então os sonhos dos alunos em toda a cadeia educacional não terão limites, conforme eles forem introduzidos num mundo em que foguetes são o que alimentam as ambições das pessoas que saem pela porta da caverna.
Atenciosamente,
Neil deGrasse Tyson
Estados Unidos da América
Russo é condenado a 13 anos de prisão por doar 50 euros ao exército ucraniano
Ainda Estou Aqui: Recriação de fotos da família da vida real surpreende internautas
Musical inspirado em Dom Casmurro entra em cartaz em São Paulo
A confissão de um colega de escola de Kate Middleton: 'Não sei se é apropriado'
Após vitória de Trump, acusados por invasão do Capitólio buscam indulto
Primeiro quadro feito por robô humanoide é leiloado por 1 milhão de dólares