Durante e após a redemocratização, as Forças Armadas e a PF teriam monitorado a oposição e se organizado para impedir a denúncia de militares envolvidos com a tortura
André Nogueira Publicado em 26/08/2019, às 12h00
Um das características da transição da Ditadura para nossa atual democracia foi a tentativa de manter impunes os crimes políticos realizados durante o Regime Militar. Isso é demonstrado em novos documentos encontrados pelo UOL em associação ao Arquivo Nacional, no acervo da CNV, que provam a ação das Forças Armadas e da Polícia Federal, logo que José Sarney assumiu, na expedição de monitoramento de vítimas e instituições que exigiam investigações contra os crimes militares. Segundo Sarney, ação foi realizada para evitar revanchismo entre as partes.
De acordo com o UOL, muitos desses documentos produzidos entre 1985 e 1991 tentavam proporcionar a autoproteção dos militares envolvidos com o regime e desqualificar as vítimas e suas denúncias.
Uma das principais figuras protegidas pelos relatórios de monitoramento da PF foi o coronel Carlos A. B. Ustra, denunciado por Bete Mendes em 1985, inclusive em carta ao presidente Sarney onde pedia a exoneração do militar de seu cargo de adido no Uruguai.
"O caso do coronel Ustra fez com que o ministro do Exército mandasse expedir nota ao público interno manifestando apoio àquele oficial e a todos que haviam atuado contra a subversão e o terrorismo. Entretanto, o vazamento do documento trouxe nova onda de reações, especialmente de parlamentares, provocando nas lideranças políticas manifestações de apreensão pela intensidade dos ataques", relata documento confidencial produzido pelo Centro de Informações da Marinha em setembro de 1985. É claro o temor de que as denuncias pudessem “responsabilizar a União pelas mortes”.
Outro grupo abertamente criticado pelos militares foi a Arquidiocese de São Paulo, que desempenhou um papel histórico de proteção e denúncia contra os crimes de tortura em seu livro Brasil: Nunca Mais, encabeçado por Dom Evaristo Arns. Nos documentos encontrados, prova-se que Sarney, "preocupado com o desdobramento dos fatos, orientou os líderes da Aliança Democrática para que não haja novos pronunciamentos que venham a gerar retaliações. No momento, suas recomendações têm surtido um certo efeito".
Outro evento de denúncia contra torturador foi analisado pelos documentos em questão: a denúncia de José Carlos Monteiro contra os crimes do tenente-coronel Valter Jacarandá, do Rio de Janeiro. Jacarandá, que era subchefe do Estado-Maior do Corpo de Bombeiros, então, foi exonerado pelo governador Leonel Brizola.
"O Conselho de Justiça, Segurança Pública e Direitos Humanos, após sua reunião do dia 16 de abril, considerou 'adequada a decisão de exoneração do coronel' (...) em face de acusações formuladas por pessoas comprometidas com as esquerdas, configura um clima de revanchismo, que poderá se estender por outros setores", afirma o documento.
"Já existe, inclusive, um estado de preocupação e insatisfação entre oficiais da PM do Rio que servem ou serviram em órgãos de segurança, diante da 'onda' revanchista que parece se ampliar na área. Vários oficiais do Corpo de Bombeiros estão assinando abaixo-assinado, por meio do qual repudiam a forma como foi exonerado de suas funções o tenente-coronel Jacarandá, e ao mesmo tempo hipotecam solidariedade ao referido oficial", aponta o documento, que comprova a preocupação da instituição com as retaliações das vítimas de tortura.
Há também provas de monitoramento sistemático de grupos da oposição classificados como "organizações subversivas de ideologia comunista e outras ideologias extremistas", com o objetivo de conter “o surgimento de processos judiciais, campanhas de desmoralização, envolvendo o nome das Forças Armadas, e até a formação de algum movimento do tipo 'Locas de La Plaza de Mayo'", em referência pejorativa ao movimento de sucesso na Argentina. Também foram monitorados os envolvidos na guerrilha do Araguaia.
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