Uma deusa Kumari - Getty Images
Kumari

Kumari: As meninas que são consideradas deusas no Nepal — até menstruarem

Escolhidas como parte de uma tradição secular seguida por hindus e budistas, essas meninas são reverenciadas como deusas, mas precisam cumprir uma série de funções

Fabio Previdelli Publicado em 21/07/2024, às 11h00

No Nepal, uma tradição secular seguida por hindus e budistas reverencia meninas como se elas fossem uma reencarnação da deusa hindu Durga — conhecida localmente pelo nome de Taleju

As Kumaris (ou 'meninas virgens', em nepalês) possuem uma série de funções e são escolhidas por cumprirem diversos atributos. Porém, elas deixam de ser deusas após a primeira menstruação. Entenda!

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A seleção 

Ser uma deusa Kumari não é uma tarefa nada fácil. Afinal, segundo aponta a BBC, essas meninas não podem frequentar a escola, só são permitidas se comunicarem com um grupo seleto de pessoas e sequer podem caminhar fora do templo que vivem. 

Uma deusa Kumari - Getty Images

 

Elas também são ordenadas a passarem horas em silêncio enquanto abençoam de fiéis durantes festivais que acontecem no país. Mas se ser uma Kumari já é algo complicado, sua seleção é mais complexa ainda. 

Uma deusa Kumari é escolhida entre crianças e pré-adolescentes que fazem parte da comunidade Newari, aonde grande parte está localizada no Vale de Katmandu. As meninas selecionadas precisam cumprir uma série de 32 atributos físicos e psicológico, chamados de lachhins, assim como Buda. 

Por se tratar de uma crença de budistas e hindus, representantes de ambas as religiões fazem a seleção. Entre os requisitos, estão coisas mais 'normais', como dentição perfeita, cabelos e olhos escuros ou até mesmo o histórico médico sem restrições. 

Mas conforme aponta a BBC, existem outras características mais incomuns, como a necessidade da menina selecionada ter uma voz clara (como a de um pato) ou as "pernas de cervos". 

Tradicionalmente existem simultaneamente três Kumaris no Nepal, radicadas nas cidades de Patan, Bhaktapur e Katmandu — sendo que a Kumari real de Katmandu a mais venerada entre elas.

Atualmente a função é ocupada por Trishna Shakya, que tinha apenas cinco anos quando foi selecionada em setembro de 2017. Por ser a 'principal' entre elas, a Kumari real de Katmandu reside no Kumari Ghar, um palácio no centro da cidade. 

Para ser escolhida como tal, a Kumari real de Kathmandu precisa ter o mesmo signo zodiacal do presidente da República. Segundo a crença, isso garantiria prosperidade a todo o país. 

Além das escolhas por determinações físicas e estéticas, as candidatas também passam por testes extremos, sendo que o maior acontece durante o festival hindu de Dashain, também conhecido como Vijaya Dashami. 

Uma deusa Kumari - Getty Images

 

Na chamada Kalaratri ('noite negra'), 108 búfalos e cabras são sacrificados à deusa Kali. Assim, a jovem candidata é levada para o templo de Taleju e solta no pátio, onde as cabeças decepadas dos animais são iluminadas por velas e homens mascarados dançam. 

Se a candidata possui realmente as qualidades de Taleju, ela não demonstra medo durante o processo. Mas caso ela não suporte o ritual, outra candidata é levada para encarar o mesmo, aponta o The Telegraph.

Pós-reinado

Segundo a tradição, que deve ter começado por volta do século 12, uma Kumari tem o dever de proteger sua cidade. Mas uma menina só pode ser uma deusa até ocorrer sua primeira menstruação — quando se acredita que a divindade desocupa seu corpo e passa a buscar outra menina virgem, diz a BBC.

E é justamente essa uma das fases mais difíceis para as 'ex-deusas'. Afinal, após anos vivendo isoladas e longe das pessoas de sua idade, essas meninas são reintegradas à sociedade sem o costume de fazer amigos, ir à escola e até mesmo de andar — visto que são carregadas a maior parte do tempo. 

Quando saí de casa pela primeira vez, não sabia como andar direito", contou a ex-Kumari Chanira Bajracharya à BBC. "Minha mãe e meu pai tiveram de segurar a minha mão e me ensinar a caminhar".

"Foi um grande desafio para mim", continua. "Todos os colegas de classe tinham medo de falar comigo porque eu era uma ex-deusa. Eles me tratavam de forma diferente, diziam até que eu era um alienígena".

Uma deusa Kumari - Getty Images

 

Embora a maioria dessas meninas defenda que a tradição deve continuar, por representar a identidade espiritual e cultural do Nepal, diversas organizações de defesa dos direitos humanos denunciam a situação dessas jovens — acusando a prática de um verdadeiro ataque à liberdade e educação. 

O debate se tornou tão polêmico que, em 2008, aponta o The Telegraph, a Suprema Corte do Nepal determinou que uma investigação fosse aberta para apurar as condições de vida das Kumaris. Após a conclusão do inquérito, a Justiça determinou que as crianças deveriam ter mais liberdade e acesso à educação — mas pouco mudou desde então.

Religião Nepal curiosidades hinduísmo budismo menstruação meninas Kumari

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