A proposta enviada pelo ministro Paulo Guedes resultou na hashtag #DefendaOLivro, e em grande reação por parte dos representantes do mercado editorial
Vanessa Centamori Publicado em 13/08/2020, às 18h02
A importância do setor literário na cultura e na educação é tão fundamental que ele é protegido de tributação pela Constituição Federal. Entretanto, no último mês de julho, o ministro da Economia, Paulo Guedes, enviou ao Congresso Nacional uma primeira parte da sugestão de proposta de reforma tributária que prevê, entre vários fatores, a cobrança de impostos em cima dos livros.
Como resultado, estourou nas redes sociais, por meio da hashtag #DefendaOLivro, um grande receio de que o texto da reforma — se for aprovado como está — possa resultar no aumento do custo das obras para o consumidor final. Mas como será que as editoras ficam nesse cenário?
O que diz a reforma tributária
Primeiro, é preciso entender o que de fato poderá ser alterado. Segundo Guedes, o setor passará a pagar a alíquota de 12% da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) — que extingue o PIS e a Cofins, unificando esses dois últimos.
Mas o que pode significar essa taxa na prática?
Luiz Wanderlei de Souza, diretor Fiscal da Hesselbach Company, prevê que o impacto desse número para o consumidor será "considerável". "A tributação da CBS sobre livros dificultará ainda mais o acesso à cultura e educação no Brasil", opina o especialista, a Aventuras na História.
O setor "já vem sofrendo", segundo Souza. Ele cita o pedido de recuperação judicial de livrarias como Cultura e Saraiva — a última que fechou várias portas durante a pandemia. "Queremos entender que fora um descuido por parte do governo federal a redação do PL, e que será alterada a alíquota sobre o livro ou até que irá se considerar o benefício da isenção", completa.
Mudanças
Os próprios membros do mercado editorial não enxergam com bons olhos a tributação. Omar Souza, publisher na Editora 106, de São Paulo, e jornalista, considera que as empresas que enfrentarão maiores dificuldades serão as editoras menores a médias. "Elas sofrem um impacto muito grande porque os custos são maiores, você perde o ganho de escala e tem menor capacidade de diluir essa taxação", explica, a Aventuras na História.
Em contrapartida, haverá, segundo Souza, uma necessidade de mudança para fazer essa diluição. Um exemplo é a urgência de negociar com as gráficas, que têm grande peso na precificação do produto final. Porém, ele aponta ainda que o aumento de volume talvez seja o melhor caminho para não afetar o consumidor. "Ou seja, seremos mais criativos tanto na produção quanto na distribuição, isso agora será fundamental", diz.
Entretanto, o representante afirma que tem esperanças de que a proposta da taxação seja derrubada, uma vez que ele acredita que a "opinião pública tende a ficar no lado da luz e não das trevas, defendendo que a cultura do livro é essencial". Ele também cita as mobilizações feitas pelas próprias organizações do livro — como o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e a Câmara Brasileira do Livro (CBL), que se manifestaram contra a reforma.
O mar que afoga peixe
Por sua vez, em entrevista a Aventuras, a porta-voz da Editora Peirópolis, Renata Farhat Borges, doutora em Comunicação pela ECA-USP, considera que a cadeia do livro é de uma "fragilidade e sensibilidade gigantesca". Ela afirma que "muitas empresas que fazem acrobacias inacreditáveis para continuar existindo irão sumir".
Segundo ela, não apenas o custo final dos livros poderá ser alterado com a taxação, mas as possibilidades da cadeia editorial de incluir editoras de tamanhos variados. "Vai ficar um mar para peixe grande e a grande riqueza do mercado editorial, que é a diversidade, certamente vai diminuir", opina.
Mas, ela cita que, não só pequenas empresas, mas grandes redes (como a Saraiva e a Cultura) também foram afetadas pela crise, que já vinha bem de antes da Covid-19. "Imagina você como pequeno editor mandar financiar e enviar material consignado para grandes redes e a rede vai à falência e deixa você a ver navios", exemplifica.
Vale lembrar que o setor editorial enfrenta dificuldades há tempos: diminuiu 20% entre 2006 e 2019, segundo pesquisa do Snel e da CBL. Nesse período, porém, o preço do livro caiu 34%, descontada a inflação. Depois, o segmento voltou a crescer em 2019, em 6,1%, mas logo as incertezas voltaram. Com a Covid-19 e o fechamento de muitas livrarias, o faturamento do mercado caiu em abril e em maio de 2020.
Em decorrência da pandemia, Borges conta que a Peirópolis, editora de pequeno porte, já fazia uma estratégia de digitalização do catálogo, com 120 títulos digitalizados em e-book. Então, o melhor, segundo ela, é se agarrar às alternativas como essa. A porta-voz compara tais medidas como se fossem jangadas em um rio, as quais as pequenas editoras podem embarcar.
"Tem gente fazendo biblioteca digital, só de livros infantis, ou streaming para público geral, pessoas fazendo aluguéis dos nossos ePUBs ou os comprando, ou seja, há muitas iniciativas novas", afirma. "Entendemos que temos que embarcar nossos livros nessas jangadas todas, nas robustas, nas menos robustas, pois as vezes o pequeno é mais lépido ou criativo".
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