Entre o ano 1 e o ano 1000, o nível tecnológico era basicamente o mesmo e quase nada se inventou. Há uma razão para isso, mas não é o que a maioria imaginaria
Fabio Marton Publicado em 18/10/2019, às 11h18 - Atualizado em 25/02/2022, às 08h00
É uma especulação que todo mundo já se fez. Se o Império Romano não tivesse caído, chegaríamos à Lua no ano 1000? Ou, uma versão mais anticlerical: e se não tivesse adotado o cristianismo? Estaríamos lá?
Comecemos pela queda de Roma. Que não aconteceu. Não inteiramente: o Império Romano do Oriente seguiria vivo por mais mil anos. E aqueles que falavam grego mas chamavam a si próprios de romanos não podem ser subestimados. Mesmo no auge de Roma, o grego era a língua da cultura e filosofia — que então abrigava a ciência.
Grego falava Heron de Alexandria, que inventou o motor a vapor no século 1. E isso basicamente mata a questão: “O fato é que não teria levado à revolução industrial porque, isso é factual, não aconteceu”, afirma o professor Pedro Paulo Funari, da Universidade Estadual de Campinas.
Bizâncio, como os estrangeiros chamavam a nova capital romana Constantinopla, nunca foi famosa por seu vertiginoso avanço tecnológico. No lugar disso, deu origem à expressão “debate bizantino”, uma discussão que não leva a lugar nenhum.
Essa surge da história que, quando os turcos cercavam a cidade, em 1453, foi convocado um concílio para discutir qual seria o sexo dos anjos (ou, em outras versões, quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete). É lenda, mas dá uma ideia de como o que restou de Roma era visto no resto da Europa.
E aí vem a segunda questão: se Bizâncio nunca foi para a frente, teria sido por excesso de carolice? Sem cristianismo, o futuro teria chegado? E a resposta ainda é: não. “É difícil de avaliar, mas a maioria dos historiadores acredita que o cristianismo não é único ou não é determinante na questão do atraso tecnológico”, diz Funari. “Embora possa estar associado, porque aconteceu no mesmo período.”
Primeiro, porque o olimpianismo, a religião clássica greco-romana, não era exatamente amigo da ciência. Os deuses podiam ser humanizados e não havia um código moral posto num livro sagrado. Mas uma ofensa aos deuses era tratada com a máxima seriedade.
Sócrates, só para ficar num exemplo, morreu acusado de renegá-los, na democrática e supostamente tolerante Atenas. “Na religiosidade pagã você tem uma mescla”, diz Funari. “A astronomia e a astrologia eram a mesma coisa. Galileu eliminou isso — os gregos nunca chegaram a tal. Em outro exemplo Pitágoras fundou uma religião, baseada na ideia de transmigração de alma.”
Outra regra fundamental da religião clássica era o respeito aos mortos. Dissecções eram absolutamente proibidas, o que restringia os médicos a estudar animais e feridas em gladiadores vivos, como fez Galeno. A manipulação dos mortos só era aceitável no Egito, que tinha a tradição de fazer múmias — o que fez do Mouseion de Alexandria, o grande centro de estudos onde o já citado Heron inventou seu motor a vapor, o único lugar onde a medicina podia ser estudada para valer.
Bem mais forte que religião, pagã ou cristã, era o papel do sistema econômico. “É o fato de que a sociedade antiga, romana e grega era baseada no trabalho escravo, e isso era um impedimento para o avanço tecnológico”, afirma Funari.
O Império Romano e também o Bizantino eram movidos a escravos. E o capitalismo do qual nasceu a Revolução Industrial e então a científica só existe com mão de obra livre.
Em parte, porque a maioria livre é consumidora e o consumo em massa é obrigatório para o mercado em massa. Mas também pelo tipo de relação que o patrão tem com o trabalhador. Escravos são propriedade, e um escravocrata quer o máximo deles. Trabalhadores livres são uma despesa. Quanto menos, melhor para o industrial. Máquinas que diminuem o número deles são extremamente desejáveis.
Em contraste, os romanos e gregos tinham lindas e sofisticadas máquinas, como o mecanismo de Anticítera, que servia para a astrologia. Ou autômatos, usados em templos para impressionar o público. Elas não eram pensadas para substituir o trabalho de ninguém.
Antes e depois do cristianismo, isso seria considerado ímpio, desumano: a escravidão era uma forma de misericórdia. Quando eram feitos prisioneiros de guerra, a opção era a escravidão ou a execução. Sem escravos, o massacre seria visto como a única opção.
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