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Brasil

Escravidão racionada: No Brasil, a abolição ocorreu ao estilo conta-gotas

Em decorrência do impacto econômico nas finanças das elites, o fim da escravatura enfrentou empecilhos

Diego Antonelli Publicado em 12/05/2021, às 06h00 - Atualizado às 09h55

Retirado à força de sua pátria, na África, quando tinha entre 10 e 12 anos, Luís jamais voltou a ver seus pais e irmãos. Ele chegou ao Brasil nos primeiros meses de 1850 e, durante 27 anos, foi escravizado em Paranaguá, no litoral paranaense, até que, em janeiro de 1877, entrou com um processo pedindo a alforria ao seu proprietário Jacinto Luís Figueira.

Seu curador legal – uma espécie de advogado na época – era José Cleto da Silva, que ressaltava que o escravizado estava sendo “vítima da tirania, a mais atroz, sofrendo como tem sofrido o pesado jugo do cativeiro”. Ao longo de quase três décadas, Luís foi “lançado à força debaixo dos mais terríveis tratos”.

Neste processo, movido para libertá-lo — e que se encontra no acervo do Museu do Tribunal de Justiça do Paraná —, consta que o menino partiu com destino ao Brasil ao lado de “grande número de infelizes companheiros de infortúnio no porão de um navio negreiro.

Vendo-se, desde então, privado do dom mais precioso que pelo Criador foi dado à criatura – a liberdade – e, reduzido à escravidão com todos os seus horrores, tem sofrido paciente por tão longo período”.

José Cleto, nesta ação, se baseou na Lei Feijó, de 7 de novembro de 1831, que, em tese, proibia o comércio de negros: “todos os escravos que entrarem no território ou portos do Brasil, vindos de fora do Império, ficam livres”. Com isso, Luís não poderia ser, a rigor da lei, um escravizado.

José Cleto da Silva, responsável por abrir a primeira escola para escravos, em 1871 / Crédito: Domínio Público / Acervo Instituto Moises Soares

 

O homem tinha certidões de batismo e de matrícula que foram anexadas ao processo como provas de que ele chegou ao país depois de 1831. A própria matrícula de bens de Jacinto Figueira indicava que a vida daquele negro havia se transformado em propriedade em 1850.

Um ano depois do pedido de alforria, testemunhas foram ouvidas, dentre elas, os ex-escravos Domingos, Joanna e Isabel — nos documentos, eles aparecem só com o primeiro nome, bem diferente do juiz municipal, tenente-coronel Manoel Leocádio de Oliveira, que intimou Jacinto Figueira e, em março de 1879, a justiça prevaleceu: Luís passou a ser um homem livre.

De pouco a pouco

A lei usada para embasar o processo de alforria de Luís foi a primeira de outras quatro que buscavam coibir a prática da escravidão em território brasileiro. Um processo propositalmente lento e gradual que ia ao encontro dos desejos de uma elite econômica e política interessada em manter aquecido o comércio de compra e venda de escravos e continuar usufruindo e explorando essa mão de obra.

Assim, a abolição foi ocorrendo ao estilo conta-gotas e, na maior parte das vezes, para atender às ordens de outros países parceiros do Brasil – como a Inglaterra, uma das maiores potências econômicas do século 19.

Desde a lei de 1831, foram quase 60 anos até que o jugo da escravidão terminasse oficialmente no país, coma assinatura da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888. Uma canetada tardia que fez o Brasil entrar para a História como o último país do Ocidente a acabar com o regime escravocrata.

Da mineração ao cultivo de erva-mate, das tarefas no campo aos afazeres domésticos. Crianças, homens e mulheres também eram escravizados em oficinas de carpinteiro, sapateiro e alfaiataria. Desde meados de 1550, os europeus passaram a usar negros africanos para servirem aos senhores brancos que habitavam o Brasil.

Impacto econômico

O tráfico de escravos se mostrava uma atividade altamente lucrativa e os portugueses já estavam envolvidos com essa negociata. No continente africano, os povos locais eram adquiridos em troca de cachaça e tabaco – apreciados na África e abundantes no Brasil.

Aldeias inteiras chegavam a atravessar o Oceano Atlântico em uma condição insalubre dentro dos porões dos navios negreiros: cerca de 12% morriam durante a travessia.

Chegando ao Brasil, os escravizados eram transformados em uma vantajosa moeda de troca. Mesmo com a independência do país, em 1822, o fim da escravidão não foi tratado como prioridade por parte do Império.

Pintura "A Redenção de Cam", feita pelo artista Modesto Brocos / Crédito: Wikimedia Commons / Domínio Público

 

“O sistema escravista sustentava a economia e a sociedade por inteiro. Isso quer dizer que o trabalho diário dos escravos era essencial para a organização da hierarquia social e o sucesso das grandes propriedades rurais onde a família patriarcal reinava absoluta, além das propriedades da Igreja Católica e da Monarquia”, afirma a historiadora Célia Azevedo, autora do livro ‘Onda Negra, Medo Branco: O Negro no Imaginário das Elites no Século 19’.

Os escravos também eram essenciais na organização das cidades e vilas. Eram eles que atuavam nas mais diversas profissões, algumas delas altamente especializadas como os trabalhos de construção, ourivesaria e obras artísticas nas igrejas, mansões e recintos públicos.

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