Em romance de Monteiro Lobato publicado em 1926, um homem negro e uma mulher branca disputam a presidência dos Estados Unidos
Kelly Cristina Spinelli Publicado em 01/07/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36
Nos Estados Unidos, de longe a nação mais importante do mundo, as eleições presidenciais são marcadas pela disputa entre um homem negro e uma mulher branca. Em 1926, quando isso era uma tremenda viagem, o escritor brasileiro Monteiro Lobato (1882-1948) escreveu o romance O Presidente Negro. Como diz o ditado: atirou no que viu, acertou no que não viu. A ficção se passa em 2228. Mas parece que o autor do Sítio do Picapau Amarelo falava de hoje.
Em 1926, Lobato estava para assumir o cargo de adido do Consulado Brasileiro de Nova York. A América era, então, uma potência em desenvolvimento, marcada pela ascensão do feminismo e pelos protestos contra a segregação racial praticada pelos estados do sul. No livro, um cientista cria uma máquina do tempo: através dela assiste à disputa pela presidência do país no futuro. Concorrem o negro Jim Roy e a loura Evelyn Astor, os mais altos representantes de suas raças depois de o país ter passado por uma forte campanha de limpeza étnica.
Lobato, num vislumbre da internet, imagina um futuro em que tudo pode ser feito por radiotransporte e os jornais são publicados em telas: “Cada colaborador do Remember radiava de sua casa, numa certa hora, o seu artigo, e imediatamente suas idéias surgiam impressas em caracteres luminosos na casa dos assinantes”.
A obra provoca discussões. Seria uma defesa do machismo e da pureza racial ou uma crítica à perda de identidade de mulheres e negros? Márcia Camargos, biógrafa do autor, acredita na segunda opção. “Lobato não era racista nem machista: ele critica e desnuda o feminismo caricato e mostra a situação dos negros na época”, afirma. À parte as intenções do autor, O Presidente Negro revelou-se um livro profético. Se vencer a disputa pela Casa Branca em 2008, o democrata Barack Obama será o primeiro presidente negro do país. E sua concorrente derrotada nas convenções do partido, a senadora Hillary Clinton, já entrou para a História como a primeira mulher que teve chances concretas de conquistar o cargo.
“Os rigores desta lei tinham-se agravado no ano anterior, com o fim muito claro de fazer cair o índice de crescimento negro. Isso contrariava a política racial de Jim Roy, toda resumida em favorecer a expansão de seu povo até o ponto que lhe permitisse forçar o branco à divisão do país. (...) A situação metera a política naquele buraco: ou ceder às exigências de Jim Roy ou assistir à vitória das mamíferas rebeldes [as feministas que concorriam à presidência].
Quando o presidente terminou a sua exposição, calaram-se os ministros por algum tempo, de queixo preso. Qualquer das hipóteses não agradava ao macho branco. Mas como a sabedoria pragmática consiste em acudir primeiro ao perigo mais próximo, foi acordado ceder às exigências do líder negro.”
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