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A era Santos Dumont

A era Santos Dumont

Amauri Segalla Publicado em 01/09/2006, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

Poucos brasileiros tiveram uma importância tão grande para uma determinada área do conhecimento quanto Alberto Santos Dumont. Os dirigíveis que concebeu e aeronaves como 14 Bis e Demoiselle o tornaram um dos inventores mais pródigos de todos os tempos. Enquanto viveu em Paris, entre o final do século 19 e os primeiros anos do século 20, Dumont transformou-se não só numa figura emblemática de sua época, com uma disposição obstinada para inovar, como passou a ser um autêntico integrante da vida parisiense. Foi amigo de pessoas como a princesa Isabel, o joalheiro Louis Cartier e o arquiteto Gustave Eiffel, autor do projeto da torre que leva seu nome. No entanto, o estilo algo estranho de Dumont – não mais que 1,60 metro de altura, cabelos negros repartidos ao meio, como as mulheres faziam, e dedos cobertos por anéis coloridos – fez dele um homem controverso. As polêmicas prosseguem até hoje, 74 anos após sua morte.

A PARIS DE SANTOS DUMONT

O final do século 19 e o início do século 20 representaram um dos períodos mais luminosos da história de Paris. Em nenhum outro lugar do mundo percebia-se com tamanha nitidez a transformação provocada pelo progresso científico e tecnológico. Poucas cidades, talvez nenhuma outra no mundo, podiam rivalizar com a capital da França na efervescência cultural que brotava das ruas, bares e cafés sempre lotados de intelectuais, artistas e gênios dispostos a deixar sua contribuição para a posteridade. Especialmente entre 1889, quando a Torre Eiffel foi erguida para celebrar o centenário da Revolução Francesa, até a primeira década do século 20, Paris viveu um esplendor que jamais seria repetido.

A atmosfera parisiense contagiou Santos Dumont, que chegou à cidade em 1891. Tinha 18 anos. Pouco tempo depois, seu pai morreu, deixando ao filho uma fortuna que lhe permitiu financiar seus projetos aeronáuticos e desfrutar das maravilhas do progresso. A ciência evoluía a passos largos – e Paris catalizava boa parte da produção nesse campo. Era na Cidade Luz que Louis Pasteur operava milagres na medicina, aplicando vacinas e salvando crianças que tinham contraído raiva canina. Enquanto isso, chegavam à cidade inovações que assombravam o mundo, como o raio X, descoberta acidental do físico alemão Wilhelm Conrad Röntgen.

A vida cultural e boêmia de Paris atingiu o ápice justamente no período de transição entre os séculos 19 e 20. Em todas as áreas, os grandes ícones convergiam para a cidade a fim de trocar experiências ou apenas aproveitar a vida. Nos bares e cafés era possível deparar com pintores como Cézanne, Monet e Matisse. Foi no início do século 20 que os vanguardistas Picasso e Braque criaram as primeiras telas cubistas ao adotar formas geométricas desconexas. Há quem diga que Santos Dumont teria sofrido a influência do movimento cubista ao projetar o 14 Bis, cuja estrutura era composta por seis cubos.

Uma das figuras mais notáveis desse período, o escritor Marcel Proust, autor de Em Busca do Tempo Perdido, freqüentava os mesmos lugares de Dumont, embora os biógrafos de ambos não tenham certeza de um encontro entre eles. A exemplo de Proust, Dumont gostava de jantar no Maxim’s, o famoso restaurante na rua Royale, número 3, até hoje em funcionamento. O bistrô era o local preferido da elite parisiense. Dumont sentava-se sempre na mesma mesa, num dos cantos da sala principal, de onde podia observar o burburinho. Outro assíduo do Maxim’s era o escritor Guy de Maupassant, um crítico feroz da Torre Eiffel, cuja construção despertava apaixonados debates. Pierre de Coubertin, idealizador das Olimpíadas modernas e um dos organizadores dos Jogos de Paris, em 1900, também era cliente do lugar.

Santos Dumont introduziu um novo tema nos embates verbais: a conquista dos ares. Suas estripulias aéreas, primeiro em dirigíveis que contornavam a Torre Eiffel, depois em aeronaves como o 14 Bis e o Demoiselle, o tornaram uma das figuras centrais da vida parisiense. Como testemunharam os jornais da época, houve um período em que ele era tão ou mais famoso do que qualquer outro figurão que vivia na cidade – e a competição não era pouca.

MÁQUINA POSSANTE

Logo ao chegar a Paris, Santos Dumont encantou-se com os veículos que rasgavam as ruas da cidade. Foi ali que ele viu as primeiras bicicletas produzidas em série, com pneus de borracha no lugar das rodas de madeira. Mas nada se comparou ao impacto provocado pelos primeiros carros a motor, que circulavam a de 16 quilômetros por hora. Dumont comprou um Peugeot cupê de 3,5 HP. Em 1891, a Peugeot fabricou apenas dois carros – um deles pertencia ao brasileiro. Poucos meses depois, ao acompanhar o pai numa viagem ao Brasil, Dumont trouxe o Peugeot cupê no navio. Dirigiu o carro em São Paulo e ficou conhecido como a primeira pessoa a guiar um automóvel na América do Sul.

JANTAR AÉREO

Santos Dumont morava em Paris num apartamento de três cômodos com vista para a avenida Champs- Elysées. Era ali que ele promovia jantares para a sociedade parisiense. Em dezembro de 1903, reuniram-se na casa do aviador o joalheiro Louis Cartier, a princesa Isabel e Gustave Eiffel, além de integrantes da família Rothschild, umas das mais ricas do mundo. A refeição foi servida em uma mesa com dois metros de altura. As cadeiras também tinham pés gigantes e só podiam ser alcançadas por meio de uma escada. O próprio Dumont construíra o mobiliário. Questionado, o aviador dizia que a intenção era fazer com que seus convidados imaginassem como seria a vida numa máquina voadora.

 

 

TECNOLOGIA

1904 - Inventada a casquinha de sorvete

1905 - Einstein publica a Teoria da Relatividade

1906 - Santos Dumont voa com o 14 Bis em Paris

1907 - Cornu realiza primeiro vôo de helicóptero na França

1908 - Ford produz o primeiro automóvel modelo T

1909 - O francês Louis Blériot cruza o Canal da Mancha em um avião

MUNDO

1905 - Japão sai vitorioso na guerra russo-japonesa

1906 - Terremoto arrasa a cidade de São Francisco (EUA)

1910 - Ocorre a Revolução Mexicana

BRASIL

1904 - Crise da vacinação obrigatória no Rio de Janeiro

1909 - O escritor Euclides da Cunha é morto em duelo

1910 - Eclode no Rio de Janeiro a Revolta da Chibata

CULTURA

1907 - Acontece em Paris a primeira exposição cubista

1908 - Marinetti publica o Manifesto Futurista

 

Acervo

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