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Dia D: o desembarque na Normandia

Sword, Juno, Gold, Omaha, Utah... Uma a uma, as forças aliadas avançam sobre as praias ocupadas pelos alemães. A ordem: despejar bombas e soldados

Flávia Ribeiro e Fábio Varsano Publicado em 01/02/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

“Havia navios de desembarque avançando pelo mar cinzento até onde os olhos podiam alcançar. O sol estava coberto e a fumaça soprava por todo o litoral.” Assim o escritor americano Ernest Hemingway, correspondente de guerra da revista Colliers, descreveu a chegada aliada em 6 de junho de 1944. Hemingway estava em uma balsa americana em direção a Fox Green, um setor da praia de Omaha, observando o impressionante ataque naval em direção à costa, ao nascer do sol: “‘Veja o que eles estão fazendo com aqueles alemães’, ouvi um recruta dizer, sob o rosnado do motor. ‘Acho que nenhum homem sairá vivo dali’, afirmou ele, contente”, conta Hemingway.

Ao amanhecer, os milhares de soldados embarcados, muitos enjoados pelo balanço do mar, receberam a ordem de avançar. Cada grupo tinha um setor da praia ao sul da Baía do Sena. De leste para oeste, esses setores ganharam os nomes de Sword, Juno, Gold, Omaha e Utah. O mar estava coalhado de navios e embarcações diversas, todos com o objetivo de despejar bombas ou soldados nas praias.

As britânicas Sword e Gold e a americana Utah foram tomadas com relativa facilidade – apesar de as metas das tropas que desembarcaram em Sword não terem sido alcançadas no primeiro dia. “O problema dos ingleses não foi dominar as praias, mas, sim, tomar Caen, que era considerado um alvo prioritário”, diz o historiador Márcio Scalercio, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Universidade Cândido Mendes.

Sob fogo cerrado

Com ou sem Caen, foram os canadenses em Juno e os americanos em Omaha que se envolveram em batalhas longas e sangrentas, com numerosas mortes tanto para o lado aliado quanto para o alemão. Em Juno, que ficava entre as duas praias dos ingleses, a divisão de infantaria e as brigadas armadas do Canadá começaram o dia tendo sérios problemas com a maré alta, os recifes naturais e os bancos de areia. Quando finalmente conseguiram desembarcar, enfrentaram fogo cerrado alemão. Havia numerosos ninhos de metralhadoras e canhões, e as equipes de assalto, as que desembarcaram primeiro, sofreram as maiores baixas. Dos 21,4 mil canadenses que foram lutar em Juno, 1,2 mil morreram ou ficaram gravemente feridos, quase todos nas primeiras horas.

Os canadenses precisavam transpor a muralha atlântica. Feito isso, chegariam a um campo livre, com pouca resistência. O problema era conseguir. Para tanto, usariam uma série de engenhocas britânicas, conhecidas como “Hobart‘s Funnies”, carros de combate modificados para flutuar na água, destruir minas e lançar chamas, por exemplo, inventados pelo major britânico Sir Percy Hobart – quase uma versão verdadeira do Q, o inventor das histórias de James Bond.

As baixas foram enormes, mas a infantaria canadense transpôs a muralha atlântica e entrou nas aldeias e cidades atrás dela promovendo uma feroz troca de tiros com os alemães escondidos dentro das casas. Juno, Sword e Gold tinham essa particularidade: diferentemente das praias atacadas pelos americanos, nelas ou em suas proximidades havia uma série de vilas, aldeias ou cidades. Muitas das lutas aconteceram no meio das ruas, entre casas de civis, algumas ocupadas pelos invasores.

Os combates de rua aconteceram ao longo de todo o dia, até que os canadenses tomaram as cidades de Bernières e de Saint-Aubin, já no início da noite. A partir daí, novas aldeias, pontes e encruzilhadas eram conquistadas. Não chegaram ao Aeroporto de Carpiquet – um dos objetivos –, mas avançaram bastante para o interior. Conseguiram cortar a estrada de Caen-Bayeux e se ligar à 50ª Divisão britânica em Gold. Mas não foram capazes de se unir à 3ª Divisão britânica na praia de Sword, deixando uma abertura pela qual a 12ª Divisão SS Panzer HitlerJugend, formada em grande parte por adolescentes da juventude hitlerista, contra-atacou.

No primeiro confronto entre os canadenses e a divisão blindada, 28 tanques aliados foram destruídos. Um dos comandantes alemães, Kurt Meyer, declarou que era hora de “jogar o peixinho de volta no mar”. Os peixinhos, no entanto, resistiram furiosamente. O combate se estendeu de 7 a 12 de junho, durante o qual os alemães perderam 60% de suas forças: 20% foram mortos e 40%, feridos. A poderosa divisão blindada de Hitler viu-se envolvida num dos mais longos e sangrentos confrontos da Overlord. Há relatos de atrocidades cometidas pelos dois lados do embate, e muitos membros da Divisão Panzer foram, mais tarde, julgados por crime de guerra.

Horror em Omaha

Na praia de Omaha, a ferocidade da batalha também impressionou. “Omaha foi um horror, porque lá os alemães estavam com uma divisão de infantaria de verdade”, ressalta Márcio Scalercio. Dos 34 mil homens que lá desembarcaram, cerca de mil morreram, a maioria na primeira hora. Ao longo do dia, os americanos perderam 2,4 mil soldados, entre mortos e feridos. Além disso, o forte vento afundou dezenas de tanques anfíbios.

“Fora um assalto mortal em plena luz do dia, contra uma praia minada, defendida por tudo o que a inventiva militar havia projetado. A praia fora defendida tenaz e inteligentemente, nenhuma tropa o faria melhor. Mas cada barco do Dix conseguiu desembarcar suas tropas e seu carregamento. Nenhum barco foi perdido por imperícia náutica. Todos os que se perderam o foram pela ação do inimigo. E tomáramos a praia”, escreveu Hemingway sobre o assalto a Fox Green. Lá, como em Easy Red, outro setor de Omaha, os soldados sofreram para superar a Muralha Atlântica de Hitler. O primeiro dia terminou em vantagem para os alemães.

“Praia de Omaha foi um pesadelo”, escreveu o general responsável pela invasão, Omar Bradley: “A 1ª Divisão ficou imobilizada praticamente no mar, enquanto o inimigo varria a praia com armas portáteis. A artilharia inimiga castigava impiedosamente as lanchas de desembarque que se aproximavam”. O comandante pensou até em recuar: “Cheguei a ter a impressão de que nossas forças tinham sofrido uma catástrofe irreversível, de que havia pouca esperança de que pudéssemos forçar nosso caminho para a praia. Particularmente, considerei a hipótese de evacuar a cabeça-de-praia”.

Mas, no dia seguinte, a situação começaria a se inverter. Os alemães gastaram a maior parte de sua munição durante o primeiro dia e não tinham como repô-la rapidamente. Já os americanos recebiam tropas e armamentos de reposição diretamente de um dos mulberries, portos artificiais erguidos pelos aliados nas proximidades. Lenta e laboriosamente, debaixo de saraivadas de tiros, conseguiram avançar para o interior.

Desembarque tranqüilo

Em Utah, graças ao trabalho da 82ª e da 101ª Divisões Aerotransportadas americanas, que protegeram todo o flanco ocidental da invasão, aconteceu o mais tranqüilo desembarque do Dia D. Para começar, 32 tanques anfíbios Sherman aportaram na praia, às 6h30. Os regimentos da 4ª Divisão de Infantaria americana vinham em sua esteira. Mas, por causa do bombardeio, do vento e da fumaça, muitos acabaram saltando longe dos lugares marcados. Ainda assim, foram ágeis na hora de se reunir.

Os homens sofreram mais com o mar, muito agitado, do que com os alemães. No fim, apenas 197 baixas entre 23 mil soldados americanos, que ao fim do dia já se moviam para sua nova missão: tomar Montebourg. A 101ª Aeroterrestre já havia aberto o caminho. Nos dias e nas semanas seguintes, a 4ª Divisão envolveu-se em embates bem mais violentos, mas tomou não só Montebourg, como também Cherbourg, além de participar da libertação de Paris.

Os ingleses não penaram tanto quanto os canadenses e os americanos de Omaha. Principalmente em Gold, onde, ao anoitecer, os britânicos já haviam entrado cerca de dez quilômetros para o interior e ligado-se aos canadenses em Creully, fechando uma passagem para os alemães. Houve somente 400 baixas entre 25 mil homens. Não tomaram Bayeux, na estrada para Caen, mas estavam em boa posição para fazê-lo nos dias que se seguiram.

Na turística Sword, cheia de casas de veraneio e lojas, os homens da 6ª Divisão Aeroterrestre deixaram o caminho livre para os soldados que desembarcaram em 6 de junho. Afinal, os alemães pretendiam defender sua posição na praia com as baterias de Merville, tomadas pelos pára-quedistas ingleses de madrugada. Ainda assim, o fogo alemão foi mais pesado lá do que em Gold ou Utah. Por isso, apesar de conseguirem dominar a praia, os britânicos não puderam se unir aos canadenses no flanco direito, que ficou desprotegido. Foi por ali que os alemães responderam violentamente.

Houve 630 baixas entre os 29 mil homens que invadiram Sword e que não conseguiram capturar Caen, o alvo principal. A cidade estava guardada pela 21ª Divisão Panzer, e o 22º Regimento dos blindados entrou em combate com os ingleses. Os Aliados ainda precisariam de vários dias até conseguir alcançar seu objetivo final. Mas o caminho estava bem pavimentado.

 

A sagrada hora do chá

Britânicos e canadenses não abriam mão do ritual diário

·Nas histórias em quadrinhos de Asterix, de Albert Uderzo e René Goscinny, os bretões têm a mania de fazer uma pausa nas batalhas para tomar o chá das cinco. A piada com o hábito inglês, por incrível que pareça, não é um exagero. Em pleno Dia D, soldados britânicos e canadenses sempre conseguiam um tempinho para tomar seu chá. “Eles improvisavam, tomavam chá em galões de gasolina”, diz o historiador Márcio Scalercio.

O livro O Dia D está recheado de histórias, contadas pelos próprios soldados. O major inglês Porteous, por exemplo, relata que no caminho para a Ponte Pegasus, no Canal do Orne, sua tropa deslocou-se para o interior e aproveitou para fazer chá. Quando um dos soldados preparava a bebida num fogareiro, segurando uma marmita e uma lata de chá, uma granada explodiu. O soldado não se feriu, mas a xícara e a marmita foram destruídas.

Por essas e outras, o voluntário americano Robert Rogge ironizou: “Os exércitos britânicos e canadenses não conseguem lutar três minutos e meio sem chá”. Os americanos não entendiam como os ingleses podiam fazer uma guerra sem café.

 

A guerra na frente oriental

Alemães sofriam pesadas baixas contra o exército vermelho

Enquanto ocorriam os confrontos na França, Hitler preocupava-se com a situação no outro lado da Europa, na chamada frente oriental. Desde janeiro de 1943, quando as tropas alemãs foram obrigadas a recuar pela primeira vez após o fracasso da tentativa de conquistar Stalingrado, na Rússia, os nazistas passaram a perder gradativamente terreno para o Exército Vermelho e a ter de enfrentar a resistência de movimentos guerrilheiros antes enfraquecidos.

Apesar das sucessivas derrotas – como a de Kursk, em julho de 1943 –, a ordem do ditador alemão era não se retirar jamais. Assim, mantinha cerca de 3 milhões de homens, 3 mil tanques e 3 mil aeronaves espalhados ao longo de 2,2 mil quilômetros. Hitler ainda obteve sucesso em alguns contra-ataques, mas a tônica eram as investidas soviéticas, cujo contingente girava em torno de 6,5 milhões de soldados e contava com 8 mil tanques e 13 mil aeronaves, graças ao apoio americano de suprimentos e equipamentos.

Entre junho e setembro de 1944, os comunistas conseguiram avançar mais de 600 quilômetros sobre territórios até então dominados pelos nazistas. Durante esse período, o exército de Josef Stálin e os partisans (guerrilheiros) venceram os inimigos em boa parte da Europa Oriental, conquistando Letônia, Lituânia, Ucrânia, Bielorússia, Romênia e parte da Polônia. Nesses conflitos, as perdas alemãs na frente oriental foram terríveis – cerca de 215 mil mortos e 625 mil desaparecidos –, a maioria capturada pelo Exército Vermelho.

 

Os jovens de Hitler

Uma divisão só de calouros

Uma poderosa divisão blindada criada em 1943, formada apenas por membros voluntários da Juventude Hitlerista, a grande maioria nascida em 1926. Assim era a 12ª SS Panzer Hitlerjugend: fortemente armada e com soldados altamente comprometidos com a causa nazista. A falta de experiência da divisão, que entrou em ação pela primeira vez exatamente no Dia D, era compensada pela visão dos oficiais, a maior parte veteranos com história em outras unidades blindadas. O primeiro confronto pesado dos jovens de Hitler foi contra os canadenses, entre 7 e 12 de junho. Lá, muitos soldados e armamentos foram perdidos, mas os nazistas continuaram lutando, dando muito trabalho aos Aliados para defender Caen, por exemplo. Acabaram encurralados em Falaise, no fim de agosto. Entre o Dia D e a queda em Falaise, a 12ª SS Panzer HitlerJugend perdeu mais de nove mil homens.

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