A mulherada americana teve que rebolar muito para driblar as patrulhas e leis dos bons costumes que as proibiam de tirar a roupa no palco. Assim, aos poucos, nasceu o strip-tease
Cíntia Cristina da Silva Publicado em 01/10/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36
Era uma noite quente de 1917. A platéia do modesto teatro National Winter Garden, no Lower East Side, famoso por monólogos repletos de piadas chulas e por dançarinas insinuantes, era majoritariamente masculina. No palco, acalorada, a comediante Mae Dix decidiu remover a gola de seu vestido para não manchá-lo de suor e assim economizar uma grana com a lavanderia. O gesto banal, feito de modo distraído, levou a galera à loucura. Os homens gritavam na expectativa do que estava por vir. Artista experiente, Mae percebeu o que tinha em mãos e, de imediato, tirou os punhos, também removíveis, de seu figurino. Saiu aplaudida entusiasticamente, após abrir os primeiros botões de seu vestido. Estava criado, oficialmente, o strip-tease. A performance entrou para a história como a primeira vez que uma mulher se despia sem ter uma desculpa “artística” para isso. Resultado: os donos do teatro, os irmãos Minsky, deram à atriz um aumento de 10 dólares por semana para voltar a repetir o ato.
Como não eram nada bobos, os Minsky também encomendaram uma campanha publicitária para divulgar o novo espetáculo. Pouco depois, foi cunhada a expressão strip-tease (tradução literal: despir-se provocando) para descrever a natureza excitante dos shows da casa. Assim, meio sem querer, o ato de tirar a roupa no palco foi virando um espetáculo exportado para o mundo inteiro pelos Estados Unidos. Muito embora esse acontecimento seja lembrado como o marco fundador da arte, a pesquisadora Jessica Glasscock vasculhou os primórdios dos shows de variedades e do burlesco (tipo de teatro popular nos Estados Unidos do início do século 20, famoso por piadas grosseiras, dançarinas ousadas e linguagem pouco refinada) e lá encontrou as raízes da arte do strip-tease, que publicou no livro Striptease – From Gaslight to Spotlight (algo como “Da iluminação a gás aos holofotes,” inédito no Brasil). Sem as desbravadoras de meados do século 19, talvez não tivesse existido Mae Dix.
QUADROS VIVOS
É preciso lembrar que no fim do século 19 as regras morais eram extremamente rígidas. O menor sinal de conduta libidinosa, a exibição de uma perna nua em cena, por exemplo, era enquadrado como contravenção. Um decreto do estado de Minnesota, de 1891, dá a medida: “Qualquer mulher que, num palco de teatro, casa de shows ou qualquer tipo de espaço público, em que estejam reunidas outras pessoas, expuser partes do corpo, estejam elas vestidas em malhas finas colantes ou em qualquer tipo de vestuário que torne o corpo visível, será considerada culpada de conduta obscena explícita, cuja contravenção poderá ser punida com multa não menor que 5 dólares e não acima de 100 dólares, ou prisão por no mínimo cinco dias e no máximo 30”. Para burlar tais leis entra em cena a mirabolante criatividade humana.
Nesse período, para fugir de processos valia tudo. Especialmente manter o strip-tease ou inocentes insinuações de nudez muito próximas da arte. Apoiado numa classificação “artística”, era possível montar espetáculos com várias mulheres seminuas ou em malhas colantes reveladoras sem que todo mundo fosse em cana. Os espertos diretores dos teatros burlescos descobriram na arte clássica, especialmente a greco-romana, uma ótima desculpa “educacional” para exibir garotas em trajes mínimos. Arte não pode ser tachada de obscena. Pelo menos, não sem que o acusador tenha de encarar a vergonha pública de ser considerado um ignorante. A idéia desses espetáculos batizados de “Tableaux Vivants” (Quadros Vivos) era utilizar modelos reais para reproduzir cenas clássicas de pinturas e passagens históricas. O nascimento de Vênus era uma das encenações favoritas. As ninfas, é claro, também pululavam aqui e ali. Detalhe: para esse tipo de show ser considerado um tableau vivant, as modelos não podiam se mover.
AS EUROPÉIAS
Os padrões de decência do início do século 19 eram os mesmos da Era Vitoriana. Até o figurino das artistas estava sujeito a esses valores morais. O corpete se tornou uma peça essencial: ele mantinha no lugar o que não deveria ser revelado.
Por volta de 1860, as primeiras transgressoras se livraram desse acessório e causaram reboliço. Pouco depois, com a chegada da trupe da inglesa Lydia Thompson, em 1868, um novo furor se instalou nos palcos americanos. As loiras oxigenadas de Lydia Thompson se apresentavam usando somente uma insinuante malha colante, que, apesar de cobrir o corpo todo, criava a ilusão de nudez.
O roteiro incluía piadas grosseiras, canções populares e textos com insinuações eróticas. No fim, as dançarinas lançavam as pernas ao ar como no cancã. A combinação explosiva de sex-appeal e ousadia não era novidade na Europa, mas nos Estados Unidos causou furor. O espetáculo foi aclamado, apesar das acusações de obscenidade. Depois de Lydia, os americanos começaram a montar shows semelhantes. Baseados em textos literários, esses espetáculos não se preocupavam quase nada com a qualidade da narrativa. Era claro que um belo par de pernas distraía suficientemente o público.
Na onda das inglesas surgiram as “skirt dancers” (dançarinas de saia), como se tornaram conhecidas as moças que não se limitavam ao pas-de-deux do balé clássico. O cancã era o carro-chefe das “dançarinas de saias”. Além de exibir vitalidade, elas mostravam parte das pernas e a roupa de baixo. Depois delas vieram as dançarinas orientais (ou exóticas). A dança do ventre, considerada imoral e provocante, era a alegria dos homens. Às orientais (muitas americanas vestidas como as originais) era permitido dançar com menos roupas, pois essa era considerada uma questão “cultural” não passível de processo.
O BURLESCO E AFINS
O burlesco, com suas dançarinas exóticas e piadas grosseiras, caiu nas graças do povo. Paralelamente a este movimento, surgiu a tentativa de criar um espetáculo mais leve, recomendado às senhoras respeitáveis. Em 1907, Florenz Ziegfeld Jr. cria o Ziegfeld Follies, um espetáculo de entretenimento refinado, como mandava o vaudeville (espetáculo de variedades musicais, cômicas etc. mais sofisticado que o burlesco). Lindas garotas em figurinos caros e elegantes insinuavam um leve erotismo. Num dos espetáculos, por exemplo, uma garota aparecia numa banheira coberta apenas por bolhas de salão. Em outro, um tableau vivant recriava a cena em que Lady Godiva cavalgava nua para forçar o marido a reduzir imposto. Mas o público logo se cansou desse tipo de show, mais caro que o burlesco.
Depois de testemunhar o pioneirismo de Mae Dix, o National Winter Garden voltaria a ser palco de outro marco da história do strip-tease. Em 1931, a casa contratou uma garota que viria a ser a maior stripper da história dos Estados Unidos. Gypsy Rose Lee ficou famosa não só por sua beleza e um par de pernas sensacional, mas também por ser espirituosa e inteligente. Segundo Glasscock, o strip-tease é caracterizado por três elementos: revelar, provocar e divertir. Não necessariamente nessa ordem. “Um verdadeiro strip-tease é um espetáculo teatral, que requer um certo distanciamento entre quem provoca e quem é provocado”, diz ela. Gypsy Rose Lee entendeu isso perfeitamente.
As strippers que vieram depois de Gypsy Rose tiveram de se esforçar mais. Foi um festival de cenas sensacionais. Havia quem entrasse no palco vestindo apenas balões, estourados um a um. Outras se cobriam de pombos amestrados, que voavam durante o número. O sucesso desse tipo de espetáculo foi interrompido por uma lei que determinou o fechamento definitivo dos teatros burlescos. Strippers e empresários ficaram a ver navios. Mas as dançarinas logo encontram outros palcos para seus shows, em bares e cabarés. Nos anos 50, em Nova York, o strip- tease era comum em casas noturnas, mas acontecia de forma discreta. O fim dessa década viu o surgimento das pin-ups, lideradas pela maior de todas, Bettie Page. Pouco depois, diante da revolução sexual da década de 60, que sepultaria de vez os últimos resquícios do pudor vitoriano, até mesmo as pin-ups começaram a ser vistas como parte de uma cultura démodé.
Little Egypt (1871)
Causou furor na Feira Mundial de Chicago em 1893 ao fazer a dança do ventre, como uma rainha do Nilo. Depois, a anônima desapareceu.
Sarah Bernhardt (1844-1923)
Diva do teatro francês, leva a fama de ser uma das pioneiras do strip-tease. Em 1890, o figurino da peça Cleópatra exibia sua pele.
Gypsy Rose Lee (1911-1970)
Fez fama e fortuna com sua beleza e inteligência. Além de tirar a roupa, divertia a platéia com textos espirituosos e bem-humorados. Sua vida virou filme e musical da Broadway, Um Sonho (Gypsy, 1962).
Ann Corio (1914-1999)
Estreou com apenas 15 anos. Ficou conhecida por seu show inocente, no qual mostrava pouco o corpo. Em 1960 escreveu e produziu o espetáculo teatral Isso Foi o Burlesco.
Lili St. Cyr (1918-1999)
Ex-bailarina clássica, ela era a mais refinada e classuda das strippers. Destacava-se por criar elaborados números musicais, em que dramatizava o momento de tirar a roupa.
Tempest Storm (1928)
Ao contrário da maioria das strippers, a ruiva da Geórgia não precisava inventar moda nos palcos para ganhar fama. Seus seios levavam as platéias ao delírio e lhe garantiram a fama.
Blaze Starr (1932)
Famosa nos anos 60, ficou conhecida por ser um vulcão em cena. No auge, teve um caso com o então governador da Louisiana, Earl Long, que virou o filme Blaze – O Escândalo.
Dita Von Teese (1972)
Ex-mulher do roqueiro Marilyn Manson, é uma devotada fã de Bettie Page e das estrelas do teatro burlesco. Suas apresentações e figurinos homenageiam pin-ups e estrelas do strip-tease.
INÉDITO NO BRASIL
Striptease – From Gaslight to Spotlight, Jessica Glasscok, Harry N. Abrams, Inc., Publishers, 2003 (177 páginas) US$ 29,95
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