Os Minamoto derrotam os Taira na Guerra de Guempei e estabelecem a supremacia dos militares sobre a aristocracia
Ernesto Yoshida Publicado em 01/04/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36
Na manhã de 25 de abril de 1185, as águas de Dan-no-Ura – nome de uma área localizada no estreito de Shimonoseki, extremo sul de Honshu, a principal ilha do Japão – estavam tomadas pelos navios dos Minamoto e dos Taira, os dois poderosos clãs de samurais que lutavam pelo controle do país. De um lado, os Minamoto avançavam com estimados 850 navios. De outro, os Taira defendiam-se com uma armada formada por talvez 500 navios. Mesmo em inferioridade numérica, os Taira contavam com sua maior experiência no mar e esperavam usar a maré a seu favor. De fato, no início da batalha, os Taira conseguiram manter os inimigos a distância com manobras táticas das embarcações e com a ajuda de seus hábeis arqueiros. Mas a maré foi mudando e os Minamoto conseguiram acuar os rivais. No embate corpo a corpo, usando lanças e espadas, os homens dos Minamoto eram insuperáveis. Para piorar, a debandada de um grupo de desertores reduziu ainda mais as chances dos Taira. Quando a batalha já estava perdida, muitos samurais e membros da família Taira preferiram se lançar ao mar, cometendo suicídio em massa. Entre os que morreram afogados estava o menino Antoku, de sete anos, imperador do Japão e protegido dos Taira. Antoku saltou para a morte no colo da avó. Já o líder do clã derrotado, Taira Munemori, foi capturado vivo – ele não quis se suicidar com seus comandados e, por isso, foi executado como um covarde.
A Batalha de Dan-no-Ura ficou célebre não somente como um dos maiores confrontos navais de todos os tempos, mas também por ter selado o fim dos Taira e o início da supremacia do clã Minamoto no Japão. Foi um marco na história dos samurais. O termo “samurai”, que significa literalmente “aquele que serve”, começou a ser usado no contexto militar durante o Período Heian (794-1185) para se referir aos guerreiros recrutados pelos grandes proprietários para proteger suas terras. Com o tempo, algumas das famílias ampliaram tanto os seus domínios que passaram a lutar pelo controle de todo o país.
Em 1180, eclodiu a chamada Guerra de Guempei, opondo os dois clãs mais poderosos (Guempei é a junção das sílabas iniciais de Guenji e Heike, outros nomes como eram conhecidos, respectivamente, os clãs Minamoto e Taira). Era uma guerra motivada, basicamente, por terras. O Japão é um país pequeno e montanhoso, com menos de 20% de sua área agricultável. Quem controlava mais terras detinha mais influência política. Na época, o Japão tinha dois imperadores – um proclamado pelos Taira, outro pelos Minamoto. A Guerra de Guempei teve como estopim a disputa pela indicação do imperador e o controle da corte imperial – e, por extensão, do poder político. Mas o imperador, a essa altura, já era uma figura quase simbólica. Com a aristocracia em decadência, o verdadeiro poder estava passando para as mãos da ascendente classe dos samurais, representada pelos clãs.
Intrépido general
A Batalha de Dan-no-Ura pôs fim à Guerra de Guempei. A frota vitoriosa foi comandada pelo general Minamoto Yoshitsune, considerado um dos mais brilhantes samurais da história. Exímio espadachim, consta que era capaz de partir uma folha ao meio no ar, com um só golpe, enquanto ela caía de uma árvore. Mas Yoshitsune ficou mais conhecido por sua ousadia. Um ano antes de triunfar em Dan-no-Ura, o general derrotou os Taira em outra batalha memorável. As forças dos Taira estavam acampadas num vale chamado Ichi-no-Tani, a oeste da atual cidade de Kobe. Era um local bem-protegido por todos os lados. Ao norte, havia um penhasco escarpado e ao sul, uma baía, onde estavam ancorados os navios dos Taira. A leste e oeste, havia desfiladeiros fortemente vigiados pelos guerreiros inimigos. Yoshitsune optou por uma estratégia bem arriscada: selecionou alguns dos mais hábeis cavaleiros e, no dia 18 de março de 1184, avançou sobre a posição inimiga descendo o íngreme penhasco como loucos. O ataque inesperado desmontou toda a defesa dos Taira. Os guerreiros que guardavam as passagens a leste e oeste correram para proteger o acampamento – abrindo os flancos para o restante das forças de Yoshitsune, que aguardavam o momento certo para se juntar ao ataque. Resultado: boa parte dos homens dos Taira teve de fugir às pressas de navio.
Os feitos de Yoshitsune não passaram despercebidos para seu irmão mais velho, Minamoto Yoritomo, o líder do clã. Temendo que Yoshitsune pudesse representar uma ameaça às suas ambições de poder, Yoritomo decidiu banir o irmão, impedindo-o até mesmo de entrar em Kamakura, cidade onde os Minamoto haviam instalado sua base. Não satisfeito, Yoritomo passou a perseguir Yoshi-tsune abertamente. A caçada terminou em junho de 1189, quando Yoshitsune e alguns últimos homens leais foram encurralados num castelo em Koromogawa, norte do Japão. Para não cair nas mãos dos inimigos, Yoshitsune matou a mulher e uma filha e cometeu seppuku – abriu o ventre com uma espada, uma morte considerada honrosa pelos samurais. Segundo alguns relatos, para que Yoshitsune tivesse tempo de cumprir o ritual de suicídio, seu fiel companheiro, o monge guerreiro Saito Musashibo Benkei, um homem com mais de dois metros de altura, deteve os inimigos na ponte que dava acesso ao castelo, resistindo sozinho bravamente o quanto pôde. Atingido por várias flechadas, Benkei teria morrido de pé, apoiando-se numa lança. Depois, Yoshitsune foi decapitado e teve sua cabeça levada para seu irmão Yoritomo, causando grande comoção em Kamakura.
Yoritomo nunca teve escrúpulos para eliminar quem cruzasse seu caminho, mesmo que fossem parentes. Antes de ordenar o assassinato do próprio irmão, Yoritomo havia mandado matar outro importante rival, seu primo Minamoto Yoshinaka, em 1184 (para isso, contou com a ajuda de Yoshitsune, até então seu aliado). Livre de ameaças ao seu poder, Yoritomo recebeu do imperador, em 1192, o título de xogum (generalíssimo) e estabeleceu um governo militar em Kamakura. A partir de então, o imperador assumiu uma função meramente decorativa, em Kyoto, enquanto o xogum passou a administrar o país de fato, num regime conhecido como bakufu (literalmente “governo de tenda”, pois os soldados viviam em barracas militares), baseado num sistema feudal. Era a ascensão dos samurais ao poder no Japão. O título de xogum era hereditário, passando de geração para geração, aos filhos mais velhos dos Minamoto. Ironicamente, Yoritomo não viveria bastante para desfrutar da nova posição. Ele morreria em 1199 – segundo uma das versões, por seqüelas causadas após cair de um cavalo. Mas os samurais teriam vida longa – governariam o país nos 700 anos seguintes.
O xogunato de Kamakura durou menos de um século e meio, de 1192 a 1333. Nesse período, o Japão sofreu duas tentativas de invasões mongóis. Ambos os ataques (em 1274 e 1281) foram repelidos com a ajuda de tufões, que causaram sérios estragos nas embarcações inimigas. Nasceu aí a crença de que o Japão contava com a proteção do kamikaze, ou “vento divino”. Esse sentimento perduraria até a Segunda Guerra Mundial – quando os militares nipônicos criaram o esquadrão suicida batizado de Kamikaze, numa última tentativa de evitar a derrota para os Aliados. Os ataques dos mongóis obrigaram os samurais a mudar seu estilo de combate. Eles passaram a lutar mais a pé e intensificaram o uso de espadas, lanças e naguinata (leia mais na página 48). Além disso, aprenderam a combater de forma mais organizada e coletiva, em vez de travar lutas quase individuais.
As fracassadas invasões mongóis, comandadas por Kublai Khan, marcaram o xogunato de Kamakura. Apesar da crença na ajuda divina, os líderes convenceram-se de que era preciso se preparar contra outros ataques. A construção de fortificações não saiu barata e obrigou o governo a aumentar impostos. Além disso, muitos dos senhores regionais, que haviam lutado contra os mongóis, esperavam ser recompensados. Porém, não havia mais terras para distribuir. Isso, mais a insatisfação com os impostos, iria acelerar o fim do xogunato de Kamakura.
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