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Aproximação indireta: golpear onde é preciso

Evitar o embate frontal e a colisão de forças - para atacar as fraquezas do inimigo e fragilizar seu ponto mais forte - é o principal objetivo da tática

Leandro Quintanilha Publicado em 01/04/2008, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

Numa guerra, uma reta nem sempre é o melhor caminho entre dois pontos. Há uma tática conhecida como aproximação indireta, cujo objetivo é surpreender o inimigo e diminuir consideravelmente os danos humanos e materiais em relação a um embate frontal. Um exemplo emblemático é a invasão da França pela Alemanha durante a Segunda Guerra. Em vez de transpor a enorme fortificação da Linha Maginot, os alemães circundaram-na, entrando na França pela Floresta das Ardenas, na fronteira com o sul da Bélgica.

Mas a idéia de evitar a queda-de-braço e “dar a volta” surgiu na Antiguidade, sendo utilizada em diversos momentos ao longo da história, inclusive por Napoleão Bonaparte. Pense na guerra como uma disputa de luta livre. “Você evita socar diretamente o queixo do adversário, sempre protegido, e acerta-o primeiro no joelho”, compara o historiador Voltaire Schilling, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. “Com o desequilíbrio obtido, fica mais fácil derrubar o inimigo.”

O ex-capitão e historiador militar inglês (nascido na França) Basil Liddell Hart (1895-1970), autor de As Grandes Guerras da História (Ed. Ibrasa), é o principal teórico contemporâneo desse recurso, ao qual já dedicou um livro, The Strategy of Indirect Approach (A Estratégia da Aproximação Indireta, inédito no Brasil). Segundo o autor, “abordar o inimigo em seus pontos fortes esgota o atacante ao mesmo tempo em que endurece a resistência do adversário por compressão”. E, no processo, provoca mortes em massa. “A mais profunda verdade da guerra é que a opção pela batalha se dá nas mentes dos comandantes e não considera os corpos de seus homens.”

Por sua vez, quando bem aplicada, a aproximação indireta primeiro fragiliza o inimigo, por meio de uma lacuna pontual de proteção, para dominá-lo na seqüência. “Quando o adversário lhe é equivalente ou um pouco mais forte, a aproximação indireta pode ser a melhor saída desse impasse, graças ao trunfo da surpresa”, afirma o pesquisador Vinícius Dreger, doutorando do Departamento de História da Universidade de São Paulo (USP).

Marcha na lama

Ainda na Antiguidade Clássica, o engenhoso general cartaginês Aníbal Barca foi o precursor da aproximação indireta em dois episódios contra os romanos: a Batalha do Lago Trasimeno, em 217 a.C., e a de Canas, em 216 a.C. “Ele foi um mestre”, diz o professor Schilling. Na primeira, Aníbal optou por um caminho impensável para adentrar a Toscana: uma travessia pelos pântanos do Rio Arno. Foram três dias e três noites consecutivos de marcha pela lama, em que o general teria perdido boa parte dos animais de carga – e também, embora a informação não seja segura, a visão de um olho.

Mas, quando romanos e aliados se deram conta da emboscada e retornaram, tiveram de enfrentar um invasor que já contava com as vantagens de quem “joga em casa”. Aníbal encurralou as tropas inimigas entre as colinas e o lago. Resultado: 15 mil romanos e aliados mortos contra 1,5 mil cartagineses, um décimo do prejuízo humano e militar do adversário.

A batalha seguinte foi bem mais simples para os cartagineses. Em Canas, um modesto povoado localizado às margens do Rio Áufido (atualmente Ofanto, no sul da Itália), o general Aníbal organizou seu exército de modo a deixar as laterais mais fortes que o centro, especialmente a esquerda. Os romanos e aliados, por sua vez, estavam alinhados de forma homogênea. Assim, os cartagineses transgrediram a lógica militar predominante na época e avançaram pelos flancos, contornando o inimigo num círculo que se revelaria mortal.

Irreverência tática

Um salto no tempo e temos outro exemplo memorável do movimento indireto. Data de 1805, com Napoleão Bonaparte como protagonista. O imperador francês, considerado um dos mais brilhantes estrategistas de todos os tempos, também incluiu manobras de desvio em suas diabólicas – e, por vezes, irreverentes – táticas de guerra. Um episódio curioso foi o que culminou na Batalha dos Três Imperadores (da França, Rússia e Áustria), em Austerlitz (atual Slavkov, na República Tcheca).

Tudo começou com uma dissimulação de fraqueza. Primeiro, Napoleão voluntariamente enfraqueceu o próprio flanco direito. Em seguida, fez uma solicitação ao Estado-Maior austro-russo para que lhe enviasse um representante com uma proposta de acordo, o que Napoleão recusou numa bem-ensaiada performance teatral de desespero furioso. O emissário caiu direitinho no engodo e retornou para a Rússia ávido por tranqüilizar os chefes com a notícia do suposto desequilíbrio do líder adversário.

Na seqüência, a aproximação indireta: Napoleão ordenou uma ocupação-relâmpago da colina de Pratzen, para confundir o inimigo. Enquanto o adversário enviava o grosso de sua tropa rumo ao flanco direito francês, Napoleão atacou o centro enfraquecido do adversário, dividindo o exército austro-russo em dois. Placar final: os franceses perderam 1,3 mil soldados – contra 16 mil homens adversários.

Elefante branco

Mais um salto histórico e chegamos, enfim, à Linha Maginot, na Segunda Guerra. A fortificação deve seu nome a um combatente mutilado na Primeira Guerra, o engenheiro francês André Maginot, que projetou a longa linha de casamatas no final dos anos 20. O objetivo era impedir um ataque-surpresa alemão contra a fronteira leste da França. O complexo foi construído entre 1930 e 1936 e incluía vias subterrâneas, postos de observação com abóbadas blindadas e paióis com munições, também abaixo da terra. Na época, a linha foi considerada o maior empreendimento tecnológico-militar da história.

O efeito negativo desse poderoso escudo megalomaníaco foi criar uma falsa sensação de segurança, na análise de Voltaire Schilling. A questão é que a Floresta das Ardenas, onde havia uma lacuna na linha, podia ser considerada uma proteção natural. De fato, era. Mas mais fácil de transpor do que a linha fortificada que partia da Suíça até a fronteira com Luxemburgo.

Os franceses não eram pretensiosos a ponto de acreditar que a fortificação deteria os alemães de vez. Mas eles estavam certos de que a barreira lhes garantiria o tempo necessário para reagir. Esse foi talvez o episódio mais vexatório da história militar francesa. Hoje, o termo “Linha Maginot” é usado na França como metáfora para algo em que se confia apesar de sua ineficiência. Mas, numa outra perspectiva, é preciso admitir que ela cumpriu seu papel: tanto protegeu a fronteira leste francesa, que forçou o agressor a contorná-la.

Trechos da Linha Maginot ainda existem. Restaurados, eles são hoje pontos de visitação pública e atraem muitos turistas ao leste da França. É possível conhecer parte do arsenal, passear pelos túneis e percorrer quilômetros de galerias. E pensar que uma infra-estrutura tão imponente não pôde deter o impacto de uma decisão inusitada...

 

Para saber mais

LIVROS

The Strategy of Indirect Approach, Basil Liddell Hart, Natraj Publishers, 2003

Um clássico sobre a estratégia de aproximação indireta.

 

O ataque direto

Quando a opção é pela queda-de-braço

Já percebeu que, no jogo de tabuleiro War, o empate sempre privilegia o defensor? “Num combate direto entre forças equivalentes ou ligeiramente desniveladas, é comum que o atacante tenha mais perdas do que o atacado”, afirma o historiador Vinícius Dreger.

Em vez da tática de aproximação indireta, a Primeira Guerra foi marcada por embates sangrentos. Na Batalha de Somme [ler Dossiê em GG nº 19], a mais terrível daquele conflito, tropas inglesas e francesas atacaram um ponto forte da linha defensiva alemã. Em apenas 24 horas, as baixas foram de quase 60 mil soldados aliados, incluindo cerca de 21 mil mortos. Em 20 dias, os atacantes não avançaram mais do que 8 quilômetros. Ao longo de oito meses de massacre mútuo, morreram mais de 1 milhão de homens: 420 mil alemães e 615 mil britânicos e franceses.

Os americanos também têm tradição no ataque direto. Entre 1861 e 1865, na Guerra Civil americana, também conhecida como Guerra da Secessão, morreram 970 mil pessoas (620 mil soldados e 350 mil civis), o que correspondia na época a 3% da população. Nas últimas campanhas americanas, da Guerra do Golfo para cá, os Estados Unidos têm optado pelo bombardeio aéreo maciço contra seus alvos, na estratégia do “choque e pavor”. É que os inimigos são sempre tecnologicamente muito mais fracos.

 

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