Além do prêmio mais célebre do mundo, Nobel nos deixou a dinamite
Clarissa Passos* Publicado em 01/11/2007, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36
Alfred Bernhard Nobel nasceu em 1833, na fria Suécia, e morreu em 1896, no aprazível clima mediterrâneo de San Remo, na Riviera Italiana. Entre uma coisa e outra, construiu um império de indústrias químicas a partir da invenção da mortífera dinamite, patenteada por ele. Poço de contradições, Nobel foi cientista, empresário, escritor e poeta. Definia-se como avesso à humanidade, mas doou sua fortuna para premiar os nomes de maior destaque em algumas áreas (Física, Química, Medicina, Literatura, Paz e, mais tarde, Economia). Cada condecorado recebe, além de uma medalha de honra ao mérito e a cidadania sueca, um cheque de cerca de 1,4 milhão de dólares. Mas de onde veio tanta generosidade? Ele falou sobre esse e outros temas numa entrevista a História, por ocasião dos 140 anos da dinamite, inventada em 1867.
História – Para começar, uma dúvida: como é que se pronuncia seu sobrenome? É “Nóbel” ou “Nobél”?
Alfred Nobel – “Nobél”, por favor.
Ufa, obrigada! Agora vamos à entrevista: como o senhor conseguiu passar de cientista a homem de negócios?
Versatilidade é meu nome do meio.
Pensei que fosse Bernhard.
Ok, esse é o do registro, mas... ah, esquece. Atribuo o sucesso à educação que recebi. Depois de ir à falência na Suécia, meu pai mudou-se para a Rússia, onde fundou uma fábrica de minas terrestres. Com a Guerra da Criméia, o dinheiro começou a entrar e o velho investiu na minha educação e na de meus irmãos, feita em casa, por professores universitários. Eu falo cinco línguas e, desde cedo, me interessei por explosivos.
Uma de suas experiências com nitroglicerina levou seu irmão caçula à morte, numa explosão em 1864...
Só eu sei o quanto isso foi terrível.
Mas poucas semanas depois o senhor retomou a pesquisa!
Ué, e ficar parado ia trazer Emil de volta?!
Quando o senhor descobriu a dinamite, é verdade que um colega sugeriu batizá-la de “massa de vidro explosiva”?
É, sim. Esse pessoal não tem visão de mercado... Eu me inspirei no grego antigo: “dinamite” vem de dynamis, que significa força.
Por que o senhor nunca se casou?
Talvez tenha sido minha natureza workaholic – como eu disse uma vez, meu lar é onde eu trabalho, e eu trabalho em qualquer lugar. Todo mundo sabe que eu caí de amores pela Bertha [von Suttner, secretária do cientista em 1876]. Mas ela estava comprometida. Mesmo assim, trocamos cartas até o fim da minha vida. Grande figura, a Bertha... Foi uma grande líder pacifista da Europa. Ela até recebeu o Nobel, em 1905.
Como sua família reagiu ao saber que sua herança seria usada na criação do Nobel?
Olha, eles não gostaram muito não. Ragnar, meu assistente, teve de correr pela Europa inteira – eu tinha contas em cinco países – para reunir a grana num banco sueco e fazer valer minha vontade. O coitado levou até uma arma, porque minha família estava atrás dele. Eles tentaram barrar a decisão na justiça. Por causa disso, apesar de eu ter morrido em 1896, o primeiro Nobel só foi entregue em 1901.
O senhor inventou o prêmio para deixar uma boa imagem para a posteridade?
Hummm... confesso que ter lido aquela manchete horrorosa num jornal francês me deprimiu um bocado. Eles deram meu obituário por engano, sob o título “O mercador da morte está morto”. Não achei legal, sabe? Pô, minha invenção tanto serve para matar como para construir. Taí o Canal do Panamá, aberto às custas de muita dinamite...
Não é meio estranha a lista de vencedores do Nobel da Paz? Tem desde a Madre Teresa até gente como o ex-secretário de Estado americano Henry Kissinger...
Pois é, o Kissinger levou o Nobel porque fez o acordo de paz com o Vietnã naquele ano. O Le Duc Tho, responsável pelas negociações do lado vietnamita, teve a decência de recusar o prêmio. Já o Kissinger... Bem, não querendo me fingir de morto, mas eu não tenho nada a ver com isso.
*Clarissa Passos é jornalista e escritora, mantém o blog Garotas que Dizem Ni e assina uma coluna semanal no site de História
Livro
Alfred Nobel: A Biography, Kenne Fant, Little Brown, 2006
Por trás do cientista e empresário, revela um Nobel tímido e introspectivo, marcado pelas tragédias da vida pessoal.
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