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Alan Turing, herói no armário

Ele salvou os ingleses na Segunda Guerra, mas ninguém ficou sabendo disso

Denis Russo Burgierman Publicado em 01/10/2006, às 00h00 - Atualizado em 23/10/2017, às 16h36

Em 1976, os americanos Steve Jobs e Stephen Wozniak inventaram uma maquininha tosca que a imprensa logo começou a chamar de personal computer – “computador pessoal”. Era o primeiro lançamento da empresa deles, a Apple (“maçã”, em inglês). O produto deu o pontapé inicial para a popularização dos PCs. Em 2006, o invento completou 30 anos. Para comemorar, História pediu que eu entrevistasse um morto fundamental nessa história: o inglês Alan Turing. O problema é que não tenho a menor idéia de quem ele foi. Disposto a esclarecer o mistério, recebi o espírito de Turing numa tarde chuvosa em Londres.

História - Professor, perdoe-me por perguntar... O que exatamente você fez?

ALAN TURING - Mmmmm... Ah, nada tão importante assim.

Aqui é a revista História. Se você está nela, deve ter feito algo grande.

Entendo de números. Nunca me dei bem com pessoas. A não ser o Christopher Morcom...

Quem é esse Morcom?

Um amigo... Conheci na escola em 1928, eu tinha 16 anos. Um sujeito brilhante, mais que eu. Eu sempre fui inteligente, mas era esquisitão. Para evitar que tirassem sarro de mim, eu procurava não me destacar.

Como esse Morcom conseguiu ser seu amigo, já que você não tinha muitos?

Acho que ele foi o primeiro a me entender.

Essa amizade lhe deu muitas alegrias?

Pelo contrário, é a maior tristeza da minha vida. Convivi com ele só dois anos. Aí ele morreu de uma doença estranha, pneumonia bovina.

Nossa, sinto muito. Aí você voltou para o seu canto e para a sua solidão, imagino.

Que nada. O Morcom foi a pessoa mais brilhante que já conheci e, se não morresse cedo, mudaria o mundo. Eu decidi que ia trabalhar duro para fazer a vida dele valer a pena.

E conseguiu?

Pô, tive algumas idéias boas. Eu era matemático. Fui estudar em Cambridge e pensei num modelo para simular uma máquina de fazer cálculos.

Peraí... Você está me dizendo que inventou o computador?

Não. O que inventei não era uma máquina real, era um “computador teórico”. Mas o computador de verdade é uma conseqüência dele. E isso foi só o começo. Na Segunda Guerra, os militares me convocaram para criar uma máquina para ajudá-los a matar nazistas.

Uma metralhadora eletrônica?

Não, que idéia idiota! Era uma espécie de calculadora, não exatamente um computador, um trambolho cheio de engrenagens, que decifrava códigos. A Inglaterra estava cercada de submarinos nazistas, que afundavam 200 mil toneladas de embarcações por mês. O pior é que ninguém sabia onde eles estavam – nosso exército até interceptava mensagens de rádio, mas era tudo em código.

É aí que entra a sua máquina.

Isso. Dois anos depois, estávamos decifrando 50 mil mensagens por mês e matávamos nazistas como moscas.

Talvez os alemães tivessem ganhado se não fosse sua máquina. Você deve ter sido recebido em glória depois da guerra...

Nada disso. Ninguém ficou sabendo disso. Era uma missão secreta, só foi divulgada depois da minha morte.

Inacreditável! Cara, posso fazer uma pergunta indiscreta? O modo como falou do Morcom... Esse seu jeito... Você é gay?

Sim. Mas levei quase 40 anos para admitir. Só nos anos 50, mais confiante, arrumei um namorado. Minha vida começou a entrar nos eixos, comecei a gostar das pessoas. Aí fui preso.

Por quê?

Por ser gay, uai. Era ilegal. Fui condenado a me separar e a fazer um tratamento hormonal para me curar do homossexualismo. Não agüentei a humilhação. Me matei.

Como?

Mergulhei uma maçã em cianeto e mordi. Glamouroso. Pode ser boato, mas tem quem diga que foi daí que o Jobs e o Wozniak escolheram uma maçã como logotipo da empresa deles.

Denis Russo Burgierman, jornalista, é diretor de redação da revista Superinteressante.

 

Saiba mais

Livro

Alan Turing: The Enigma, Andrew Hodges

Walker & Company, 2000

Ótima biografia sobre Turing, que revelou ao mundo a história desconhecida do matemático inglês

 

Acervo

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