Antigos anúncios de jornal revelaram que Machado de Assis quase lançou a coleção de poemas 'Livro dos Vinte Anos'; relembre a descoberta de 2016
Publicado em 17/11/2024, às 16h00
Considerado o maior escritor do Brasil, Machado de Assis publicou, ao longo de sua carreira, um total de 10 romances, 10 peças teatrais, 200 contos, cinco coletâneas de poemas e sonetos, e outras mais de 600 crônicas, entre 1861 e 1908, ano de sua morte.
Seu primeiro livro de poemas, é 'Crisálidas', de 1864. Porém, em 2016 o professor Wilton Marques, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) divulgou ter descoberto duas notas de um antigo jornal do século 19, além de um anúncio, datados de 1858 e 1860, que informavam que o escritor carioca se preparava para lançar outra obra, o 'Livro dos Vinte Anos'.
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Conforme repercutiu o Estadão em 2016, toda a saga começou quando o professor descobriu o poema 'O Grito do Ipiranga', publicado por Machado de Assis no Correio Mercantil em 1856. Impressionado com o achado, Marques decidiu que queria escrever um livro unicamente sobre esse texto; porém, pensou que precisava ampliar sua pesquisa, para dar corpo a sua obra.
Ele, então, começou a investigar a presença de literatos — pessoas que se dedicam à literatura — nos jornais contemporâneos a Machado, quando encontrou, nos arquivos do Correio Mercantil, na Hemeroteca Digital Brasileira, uma nota de primeira página de 1858 que o surpreendeu:
"Mais um volume de versos se anuncia, e podemos já dizer mais um poeta se vai revelar. Modesto e muito jovem são, além de felizes inspirações, qualidades bastantes para recomendarem o nome do Sr. Machado de Assis, autor do livro cuja publicação se nos anuncia". Nessa época, vale mencionar, Machado era apenas um jovem talentoso e aspirante a escritor de 19 anos.
Porém, por um ano e meio o Correio Mercantil não trouxe qualquer atualização sobre o lançamento, até uma segunda menção em janeiro de 1860: "Vai publicar-se uma coleção de versos com o título de Livro dos Vinte Anos", começava a nota.
"O autor é um moço que enceta apenas a carreira das letras. Talento viçoso e original, o Sr. Machado de Assis promete mais um poeta e um prosador distinto no país. Nas poesias ligeiras ou ensaios de prosa que tem publicado até hoje, revela o Sr. Assis qualidades notáveis que recomendam o seu nome. O público receberá sem dúvida o seu livro como merece o talento do autor, que tem tanto de real como de modesto. Na atualidade é uma associação rara", conclui a publicação.
Depois disso, apenas um mês após o segundo anúncio do Correio Mercantil, um novo anúncio foi feito no Correio da Tarde, com informações ainda mais concretas sobre a obra: "Livro dos Vinte Anos por Machado de Assis. Um volume de 200 a 240 páginas; 2$. Assina-se nas lojas de costume e na tipografia do Sr. Paula Brito, onde é impresso".
Porém, nenhum outro registro sobre o 'Livro dos Vinte Anos' foi encontrado, e este que poderia ser seu primeiro livro de poemas, na verdade, nunca foi visto. Mas por quê?
Na opinião da Wilton Marques, o que pode ter acontecido não é surpreendente aos que já estão familiarizados a Machado: mudança de interesse.
"Tem uma expressão de Jean-Michel Massa que diz que Machado tinha uma autocrítica vigilante muito forte. Exigia muito do texto na busca de um comprometimento com o dado estético, com a formalidade do texto literário. E por isso ele jogava muita coisa fora", disse o professor ao Estadão em 2016.
Para quem não sabe, é importante mencionar que quando Machado organizou obras para lançar 'Poesias Completas' em 1901, excluiu muitos poemas que ele mesmo havia organizado. "Esse exercício de autocrítica é muito forte e mais um indício de que ele abandonou o livro", pontua Marques.
O professor ainda menciona que a hipótese de Machado de Assis ter aproveitado alguns dos poemas do livro em obras posteriores está fora de cogitação. Isso porque o escritor costumava datar todos os seus textos. Apenas um dos poemas de 'Crisálidas', por exemplo, é de antes de 1860.
Professor de literatura brasileira na Universidade da Califórnia (Ucla) e autor do livro 'Machado de Assis: Romance Entre Pessoas', José Luiz Passos explicou ao Estadão que não conhecia essa obra perdida de Machado, mas imagina que, como ele abandonou a publicação, provavelmente ela não valia a pena para o poeta. "Às vezes, ele apostava numa capacidade de produção muito maior que as condições reais que ele tinha de execução", disse ele em 2016.
Além disso, é importante lembrar que Machado não era apenas autocrítico, como suas criações também tinham que agradar seu editor, Garnier, para quem também prometeu e não entregou outras duas obras: 'O Manuscrito do Licenciado Gaspar' e 'Histórias de Meia-Noite'.
Esses livros não realizados são mais um exemplo da capacidade de produção imaginativa dele, dessa ambição de colocar para fora, de publicar cada vez mais”, acrescentou Passos.
Por fim, o crítico Silviano Santiago, autor de 'Machado', um romance sobre os últimos quatro anos de vida do escritor, afirmou: "como Carlos Drummond que não publicou o manuscrito que enviou em 1925 a Mário de Andrade, e esperou 1930 chegar para publicar o volume Alguma Poesia, Machado também deve ser elogiado por não ter tido a coragem de publicar esse livro".
"Realmente, ambos os escritores não começam bem em matéria de escrita poética. Pensando nesse tipo de carreira literária é que talvez se possa entender melhor a célebre alegoria de Machado, que começa por dizer que 'Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, etc.'", conclui.